de Eduardo Brito Aranha. 2006.
O autor, Eduardo Brito Aranha é um médico português, de clínica geral, de 69 anos. Depreendo do que lhe leio (sim porque eu também leio porque gosto de ler o autor, de tentar perceber a mente que escreveu o que escreveu) que é muito observador, bem-humorado, perspicaz e um tanto ou quanto acutilante. Gosta de sátira, mas sem ofender directamente ninguém. Consegue colocar em palavras e atitudes diferentes tipos de pessoas e personalidades. Consegue captar muito bem o típico espécime portugues(inho/ão). Percebe-se que é alguém que ouve muito. Que escuta muito. E que regista cada pormenor de cada um, e da sua história. Com um misto improvável de generosidade e espírito caçador.
Neste livro, cujos textos surgem de forma encadeada, muito em redor de uma família tanto surreal como usual (!!!), os Sarmento, apresenta diferentes histórias de vida e portanto coloca em comparação diferentes perspectivas de vida. Cujas características se percebem desde a forma de falar e as palavras empregues até à forma como efectivamente se sentem e vivem as situações.
Irónico e sagaz. E também descontraído.
Gostei. Ri. Pensei.
Algumas frases ou ideias:
"...nós, Graças a Deus, aqui em Portugal até nem nos podemos queixar muito, vamos tendo sol e dinheiro para a bica..."
"... Nós gostamos de estar entre os braços de um homem, mas vocês gostam é de estar sempre entre as pernas de uma mulher."
"... os estudos e o vil metal é que contam neste mundo-cão..."
"Infelizmente para ganhar a vida, tenho primeiro de a gastar."
"... já desde a Idade Média que o poder espiritual e o poder político têm andado de braço dado..."
"Vivo num país perigoso para quem tem valor próprio..."
"Não fiz perguntas. Não sou de fazer perguntas para chegar a conclusões. Gosto mais de ir ouvindo o tempo que for preciso, depois juntar os elementos considerados suficientes para poder ter o prazer de concluir."
"O mundo tem evoluído?... Como é que o desenvolvimento científico tem contribuído para a verdadeira liberdade? Ou chamar-se-á liberdade não ter que levantar as nádegas dum sofá para mudr o canal ao televisor? Não sei se na verdade este século não terá contribuído ainda mais para agrilhoar o pensamento, disfarçando hipocritamente as novas algemas sociais em tretas como o fim da escravatura ou da pena da morte. Acabaram realmente?"
"Acabou a guerra de África e a polícia política. Vota-se, lá isso vota-se, mas para quê? Para nos tentarem convencer que o partido em que votamos defende os nossos interesses, quando no fundo, votando, contribuímos ainda mais para apoiar a plutocracia que assim se vai sedimentando." "Sou eu mais inconformado que ele, até talvez mais à esquerda. Mas continuo a perguntar à esquerda de quê e para quê."
"Uma língua evolui através de erros e de aventuras fonéticas, sintácticas e morfológicas, tanto do ponto de vista popular, como erudita."
"Antigamente dizia-se que a dentada de um cão se curava com a saliva de outro, agora chamamos a isso amor terapêutico."
"Muitas vezes compensamos uma perda através de um péssimo ganho, constituindo no fundo uma tentativa auto-terapêutica de compensar o luto. Saltamos um muro - e quanto mais alto ele for, menos vemos o que há do outro lado - e saltamo-lo para o pior sítio. Pode ser mau, mas é do lado de fora e liberta-nos da anterior vedação."
"A teoria de Nietzche acaba por se confirmar. Mesmo os chineses dizem que qualquer civilização que comece por recusar matar os seres inferiores para a sua alimentação, mais tarde ou mais cedo, extingue-se."
"Quando uma sociedade atinge um determinado grau de desenvolvimento, parece deixar de matar para ter comida e ser a comida que a mata a ela."
"Bem sei que tenho uma sanidade mental, nalguns aspectos duvidosa, mas tento que ninguém descubra as minhas idiossincrasias. Penso que nenhuma das mulheres com quem me tenho envolvido desde jovenzinho, ainda descobriu que só as aceito se o seu nome começar por "F". De contrário rejeito-as no navio do amor. Podem ser nomes repetidos, como foram as quatro Fernandas. Ainda nenhum psiquiatra conseguiu compreender a razão de tal parafilia ou comportamento compulsivo. Ou então, tenho sido eu que manobro as conversas ao ponto de eles não conseguirem descobrir."
"Milagres, só os que fazemos uns aos outros."
"Um dia, quando o sol arrefecer, daqui a muitos milhões de anos, poderão existir muitas referências ao passado, mas nunca uma memória suficientemente assertiva para as interpretar de forma adequada."
Comentários