de José Tolentino Mendonça. 2012.
José Tolentino Mendonça é padre, poeta, teólogo e professor. É todas essas coisas para além de, presumo, muitas outras mais. Percebo-o como uma pessoa extremamente interessante e culta, ainda que dotado de uma enorme humildade e simplicidade que se percebe pela forma como consegue transmitir as suas ideias e raciocínios de forma clara e despretensiosa. E percebo-lhe também alegria, brilho na forma de ser, aliados a alguma inquietude e curiosidade/dúvida sobre as coisas. Condição necessária a quem se dedica a reflectir e dissertar sobre a vida, sobre a condição humana e sobre Deus, através da religião e espiritualidade.
Este livro é uma reflexão profunda e religiosa sobre a amizade. Essa "coisa" de inestimável valor, que por vezes se mescla ou confunde com o amor, e que dá sentido ao caminho que cada um percorre na vida, tornando-o mais leve ou curto, sendo por isso essencial a uma existência mais feliz.
O autor faz imensas referências bibliográficas ao longo de todo o livro, desde escritores, poetas, filósofos, teólogos, modernos e antigos, cujas contribuições são o início de reflexões ou a sua conclusão ou reforço de raciocínios. Muito interessante... ao lê-lo estamos simultaneamente a ler (e no meu caso a conhecer!) muitos outros autores. Para além disso, o fio condutor dos vários capítulos e pontos é a Bíblia. É através da história de Jesus Cristo e das personagens bíblicas que vão sendo dados exemplos, vão sendo colocadas questões e apresentadas possíveis respostas.
Gostei imenso. É aquele tipo de leitura que nos faz sentir crescer por termos aprendido muito a diversos níveis. Foi isso que eu senti.
Frases ou ideias de que gostei particularmente (...ou que, por alguma razão, me chamaram à atenção...):
«Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo.» Provérbio japonês
"...
E isso serve-nos de desculpa para não fazermos a única coisa que Deus espera
realmente de nós: sermos nós próprios."
"Projectamos
em Deus expectativas que Ele não pode ter a nosso respeito, porque respeita a
nossa liberdade, aceita o desconhecido que há em nós, o estranho que nos
habita, o enigma que somos."
"Ele
não é o espião metafísico, pronto a contabilizar as nossas falhas e desvios, ou
então a condecorar-nos pelas nossas boas ações e piedade."
"Por
vezes, a ânsia que temos de ser poupados aos sofrimentos do presente torna a
religião uma coisa muito confortável, feita à nossa medida, como se a religião
fosse um clube de escapistas. ... O caminho da amizade com Deus, porém, é
outro. É necessário amar a Deus sem ser por nada. Amá-lo, simplesmente. «A rosa
não tem porquê./ Floresce porque floresce./ Não cuida de si mesma./ Nem
pergunta quem a vê...», ensina Angelus Silesius. Ou, como escreveu Gertrude
Stein, «uma rosa é uma rosa é uma rosa»."
«Não
é preciso falar» ..."Como é que percebemos que duas pessoas que não
conhecemos são amigas? Pela forma como conversam? Certamente. Pela forma como
riem? Claro que sim. Mas ainda mais por nitidamente abraçarem, com serenidade e
alegria, o silêncio uma da outra."
"amigo
(réa, em hebraico)..."
"Os
amigos não defendem apenas o nosso sorriso: oferecem-nos o tempo para chorarmos
o que temos de chorar."
"O
desejo do amor confunde-se com a nostalgia de reencontrar a unidade perdia: na
origem, fomos cortados em dois e, de um só, ficaram duas metades. Assim,
através do amor, cada metade procura a que lhe corresponde."
"...
para Platão (em O Banquete), o amor é
também uma passagem do sensível ao inteligível, da beleza dos corpos à beleza
das ideias, do eros à amizade. ... na voz de Diotima... «Corre por aí um ditado
que diz que amar é andar em procura da sua metade... Todavia, em meu pensar,
não existe amor de uma metade ou de um todo. (...) O amor é desejo de possuir o
Bem para sempre»... Por um processo que nos leva do particular ao universal, do
físico ao espiritual, do belo ao bom. É uma via de ascese intelectiva que nos
faz passar da beleza de um corpo à de todos os corpos, dos corpos belos à
beleza da virtude e do conhecimento, até que, a verdade do belo, levada às
últimas consequências, nos abra ao bem e à sabedoria."
"A
escolha dos amigos, não sendo simples, deve ser igualmente criteriosa."
"Sem
amizade a mulher ou o homem viveriam como exilados."
"Um
amigo é um outro eu de mim."
"Os
amigos são paralelas que só no infinito se encontram."
Aristóteles
«Aquele que tem muitos amigos, não tem nenhum amigo.»
Rimbaud
«Eu sou um outro.»
"Muitas
vezes o nosso conflito e a nossa dor nascem de um impasse: por um lado, não
somos capazes das linhas de continuidade que idealizamos e, por outro, não
estamos muito preparados para valorizar, de um ponto de vista espiritual, as
modificações permanentes pelas quais passamos."
"...
essa dimensão silenciosa e submersa..."
"O
quotidiano é o que nos revela mais intimamente..."
"Os
antropólogos dizem que, quando se sabe onde se come, como se come, com quem se
come e o que se come, sabe-se o mais portante acerca de um grupo humano."
"A
autoconsciência da sua fragilidade era também o motor da sua abertura à
amizade..."
Romano
Guardini «Para mim mesmo, eu não sou simplesmente uma coisa evidente. Sou
também um estranho, sou enigmático, poderei mesmo dizer que sou um
desconhecido.»
Marcel
Proust «tornámo-nos semelhantes a esse fidalgo que, partilhando desde a sua
infância a vida dos ladrões de estrada, não se lembrava mais do seu nome.»
Santo
Agostinho «Só não perde nenhum ente querido aquele para quem todos são queridos
naquele que nunca se perde.»
«animi custos» alma custódia; «animi consors» alma gémea
"...
certas situações que começam por ser uma tão arrebatada e exclusiva comunhão de
almas que terminam numa confusa e banalizada confusão de corpos."
Um
homem entra num mercado e lembra-se que não prendeu a sua bicicleta que deixou
à porta do mercado. Corre aflito e angustiado já augurando que lhe a tinham
roubado. Diz a Deus que se a bicicleta ainda lá estiver ele correrá até ao
templo mais próximo para rezar e agradecer-Lhe. Assim o fez. Quando saiu do
templo, tinham-lhe roubado a bicicleta... "A amizade é uma arte de
desprendimento."
"O
amigo dedicado" de Oscar Wilde... Hans e Hugo... a farinha e a amizade...
Jacques
Ellul «é necessário profanar o dinheiro"
...
a gratuidade e a felicidade...
...
A vida antes da morte...
...
zonas silenciosas, territórios de fronteira do nosso ser...
"...
o alaúde foi construído à navalha e depois solta uma música incrível. Muitas
vezes, é a dor que escava em nós profundidades que, depois a alegria vai
encher..."
Bonhoeffer
«Deus não realiza todos os nossos desejos, mas é fiel a todas as suas
promessas.»
Filho
de Sara e Abraão... Isaac significa "Deus sorri."
Wislawa
Symborska «Devo tanto àqueles que não amo»
"Nenhum
golpe nos fere tão fundo como aqueles que nos chegam de um amigo, de um
irmão" "Só quem me ama me pode
trair."
"É
verdade que temos de perguntar-nos se as nossas deceções não se prendem
demasiado a uma visão narcísica da amizade ou a uma confortável projeção de
expectativas no outro, das quais nem todas serão legítimas ou sensatas."
"...
a mais emblemática história de traição de um amigo: a protagonizada por
Judas..."
Evangelho de Judas
- "Em vez de um traidor, Judas é descrito como um discípulo obediente,
executor fiel de uma ordem do próprio Jesus que precisaria desta colaboração
para consumar o seu projecto de salvação. Sem o gesto de Judas, Jesus não
alcançaria afinal a sua Páscoa. Por isso, o próprio Jesus convence Judas a
entregá-lo" «Levanta os olhos e observa a nuvem luminosa e as estrelas em
redor. A estrela que indica o caminho é a tua estrela.»
Nikos
Kazantzakis - A última tentação de Cristo (1951) «Nós temos de salvar o mundo,
ajuda-me.»
Judas
- «o Predilecto», em hebraico. (o amado)
Judas
Iscariotes beija o seu mestre... entregando-o. "Salve, Mestre!"
Ish - homem, em hebraico
"Judas
era o único discípulo natural da região da Judeia, visto que os outros onze
eram galileus."
"Judas
traiu porque se sentiu traído."
Fernando
Pessoa na primeira página do livro do desassossego «A alma é um abismo
obscuro...»
"Ser
só é diferente de estar sozinho. Todos nós somos sós, mas ficar sozinho é a
consumação, ainda que temporária, de um corte. Passamos a viver numa bolha insonorizada, cada vez mais isolados."
... mistagogia - entrada progressiva no mistério...
Pseudo-Dionísio, teólogo e filósofo neoplatónico, por finais do séc. V desenvolverá a mística do silêncio.
A importância do silêncio.
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