Avançar para o conteúdo principal

O beijo de Judas (na Sagrada Família) - Barcelona - Espanha 2008

Segundo a teoria mais difundida, aquele gesto do discípulo de Jesus de Nazaré não passou de pura hipocrisia, pois atrás de Judas, no jardim de Getsêmani, supostamente, estava uma multidão de romanos que aguardavam o beijo para capturar Yeshua. Quem não sentiu já um beijo desse tipo? E quantos beijos já deu assim? O pior não é a traição, é a desconfiança que nos mina.

No entanto, recentemente foram encontrados pergaminhos do "Evangelho de Judas", nos quais é apresentada uma versão muito diferente da actual. Nesta nova versão (não reconhecida pela Igreja), Judas Iscariotes estava apenas a atender a um pedido do seu mestre de forma a cumprir a profecia da sua morte. Nessa perspectiva, não se tratou de traição mas sim de um gesto de compreensão e puro afecto. Existem ainda outras versões que defendem que quem foi crucificado foi Judas no lugar de Jesus.

Mas... sinceramente não interessa o que aconteceu realmente. Interessam apenas os simbolismos daquilo que as diferentes situações nos transmitem.

A meu ver o catolicismo nasceu assim. A crucificação bárbara de alguém inocente é suficientemente dramática para apelar aos nossos mais profundos sentimentos de justiça e compaixão. E de esperança. É suficientemente forte para nos tocar, e nos fragilizar, e tornar-nos muito mais abertos a dogmas, porque em situações de desespero é necessário ter regras e histórias feitas a que nos possamos agarrar, é necessário sentir que não se está sozinho. Isso tem tanto de bom como de mau, como em tudo na vida, tem de ter certa medida. Porque é que não se acredita simplesmente no bem, na saúde, no amor, na boa energia só por si? Porque é que se precisa de ir buscar isso a acontecimentos dos outros, porque é que se precisa de encontrar um rosto que nos lembre disso? Porque é que é preciso regras se intuitivamente todos sabemos o que se deve ou não fazer?

Não digo que acredito, nem deixo de acreditar. As histórias bonitas também me comovem, mas apenas a história, como tantas outras coisas que podem simplesmente acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, a alguém. Porque sei, que cada um desses acontecimentos não passam de ínfimas partículas daquilo a que realmente pertencemos. A nós próprios, ao nosso coração e espírito, ao nos querermos dar e ao sabermos receber, ao um todo de que tudo e todos fazem parte, sem distinção nem diferença. Essa é a minha religião, que em muitos aspectos pode coincidir com algumas religiões escritas no mundo. É sentir que mesmo nunca podendo ser perfeitos, se formos honestos connosco próprios e com os outros, somos livres e só podemos estar bem em qualquer momento e em qualquer parte.

Comentários

Me disse…
Gostei mto deste teu texto e sobscrevo o ultimo paragrafo!
jokas
José Luís disse…
Concordo contigo Ana. Acho que a principal religião é a voz do nosso coração. Se conseguirmos ouvi-la e tivermos a coragem necessária para a seguir encontraremos o nosso papel nesta grande história a que todos pertencemos.
Jinho

Mensagens populares deste blogue

Sabem aquela expressão... "tas a dar-me música...."... pois é de isso mesmo que se trata!

Mas neste caso... é música boa!!! ;) O que é que, melhor que a música, consegue dizer tanto sem falar?! ;) "Ti prepara" que hoje estou destemida no que toca à quantidade de sons que tenho ouvido e quero partilhar... :))) Tove Lo - Habits (Stay High) - Hippie Sabotage Remix Meghan Trainor - All About That Bass Sam Smith - I'm Not The Only One Milky Chance - Stolen Dance Vance Joy - 'Riptide' The Sript - Superheroes Maroon 5 - Animals Maroon 5 - Maps (Explicit) Coldplay - Midnight Coldplay - True Love Coldplay - Ghost Story Especial.... e lindíssima esta próxima... :) Coldplay - Always in my head Boots Of Spanish Leather (Bob Dylan) - The Lumineers E, sabendo que é daquelas passageiras, mas que agora não consigo evitar dançar quando a oiço.... Bailando!! Enrique Iglesias - Bailando (Español) ft. Descemer Bueno, Gente De Zona The Black Mamba & Aurea - Wonder Why

Leituras - "Equador"

de Miguel Sousa Tavares. 2003. Acho que, até à data, este deve ter sido o livro que li (ou absorvi...) mais rapidamente. Desde a primeira página até à última página prendeu-me e dele não me consigui libertar até terminar. Por variadas, e talvez algumas até inconscientes, razões. Porque estive recentemente no país sobre o qual a história recai - São Tomé e Príncipe. Porque consegui ligar cada detalhe descritivo aos sítios concretos por onde também passei. Porque percebi e senti a história. E por tudo o resto de um conjunto de pontas soltas e aparentes coincidências que aqui se ligaram. Mais não será preciso dizer para concluir que gostei bastante. "Quando, em Dezembro de 1905, Luís Bernardo é chamado por El-Rei D.Carlos a Vila Viçosa, não imaginava o que o futuro lhe reservava. Não sabia que teria de trocar a sua vida despreocupada na sociedade cosmopolita de Lisboa por uma missão tão patriótica quanto arriscada na distante ilha de S. Tomé. Não esperava que o cargo de

Mais vale tarde...

Já há 1 ano que não publico nada por aqui. Não que faltem as ideias nem as palavras, mas faltou o tempo e a concentração necessária para escrever como gosto de fazer. Fui mãe entretanto. Isso explica quase tudo. Quis mergulhar sem rede nesse mundo. E assim o fiz. E sim, não é cliché, afirmar que há um antes e um depois de termos filhos. Se por um lado, e do ponto de vista mais simplista e naturalista existimos para assegurar a espécie e portanto não compliquemos as coisas, por outro, é um acontecimento que nos abre não necessariamente a um novo mundo mas muda a nossa perspectiva do mundo tal como o conhecíamos ou concebíamos antes. E isso altera profundamente a nossa vida. De repente passamos a ter um ser que depende de nós para sobreviver. E nós queremos, visceralmente, fazer de tudo para que ele não apenas sobreviva como viva da melhor forma possível em todos os aspectos que consigamos controlar. A minha atenção virou-se completamente para ele. É isto que para mim vale a pena fa