de Júlio Machado Vaz. 2003.
O autor deste livro é um conhecido psiquiatra português, com especial talento na abordagem à área da sexologia.
O livro consta de 6 histórias fictício-reais (acabei de inventar este palavrão de absoluto contra-senso!) ou verídico-reais (acabei de inventar este palavrão de absoluto pleonasmo!!)...isto porque não obstante a probabilidade dos nomes das suas personagens serem falsos e um ou outro pormenor ter sido alterado, são relatos de coisas da vida, coisas banais, coisas que acontecem entre as pessoas, coisas que são... reais!
A história que mais gostei chama-se "Fim-de-semana em Barcelona": uma mulher independente, desconfiada, fechada e pouco dada a intimidades resolve fugir da sua rotina diária de aparente mulher bem-sucedida (mas infeliz porque vive presa em si mesma) e vai passear para a cidade catalã. Conhece por verdadeiro mero acaso (embora ela sempre desconfie que não...) um jovem catalão que se oferece para a ajudar a conhecer a cidade. Por incrível que pareça ele é apenas um arquitecto muito crítico de Gaudí e dos edifícios e construções que são símbolo da cidade e atracção turística, e quer mostrar isso a ela.
Ela é também jovem e atraente. Mas tem o espírito carregado. Pela suposta pesada formação católica e constante ideia de pecado em tudo o que se refira a sexo, sexualidade, sensualidade, intimidade. É alguém que está preso ao medo da opinião dos outros e a uma reputação que sente ter de preservar. Ela é culta, severa, conservadora e racional. Mas tem bom-humor. Tem vontade de ser feliz mas não sabe como. Tem um anjo, que na minha opinião é o psiquiatra!!, que a tenta compreender e ajudar. Esse anjo observa e estuda casos problemáticos entre mulheres e sexualidade, e começa a divagar sobre a "Mulher pós-moderna e o sexo". Muito interessante! Ele apresenta uma teoria em que a forma como as mulheres têm vindo a lidar com o sexo, de forma cada vez mais banal e promiscua não reflecte propriamente uma libertação interior ou emancipação do género. Reflecte sim, e muito pelo contrário um esforço racional das mulheres que se querem a todo o custo desprender de velhos estereótipos, mas um desprender só por se soltar, sem se saber muito bem se isso significa mesmo alguma coisa de melhor. E assim, banalizam o sexo e o poder que conseguem ter sobre ele, praticando-o sem real prazer físico, porque ao acto e internamente surge sempre a culpa. ("...por mais piruetas de Kama-Sutra que se ensaiassem na cama, era na cabeça que tudo se jogava".)
Ela casou virgem. E... bem... as coisas a nível sexual entre o casal não corriam bem. Ela sofria de uma disfunção sexual a que os conhecedores chamam de Vaginismo - contracção espasmódica e involuntária dos músculos, que torna impossível ou muito dolorosa a penetração. O marido, paciente mas humano, apenas lhe dizia que queria uma mulher "normal" na cama. Assim que ela ouvia aquela palavra "normal" ficava em pânico. Ela tinha medo de se tocar, quanto mais que a tocassem... Nunca conseguiria ser... normal. Passados dois anos e algumas tentativas falhadas divorciaram-se. Tinham-lhe ensinado que o amor do casamento resolvia tudo, mas afinal não.
O anjo fala: "teria ela medo de ser penetrada por causa da dor... ou não estaria aqui o inevitável simbolismo de rendição ao macho, perda de controle?!"...
Com o jovem catalão, que partilhou logo com ela as suas ideias, a sua história de vida, sem medo de se mostrar...e ela sempre a ouvir mas a partilhar pouco, sempre na defensiva...houve uma conquista intlectual. Ela começa a sentir e (muito importante!) a pensar que a chave da prisão em que ocultamente vive está como sempre esteve na sua própria mão, e que talvez não tenha mal nenhum deixar-se levar. E deixa-se, muito a custo. Mas, talvez porque ele não sabia dos problemas dela e ela estava agora sim disposta a libertar-se, o que tinha de acontecer, aconteceu, e melhor, fluiu! Apaixonaram-se de verdade.
Deus e o Diabo debatem-se após aquele desfecho em alegre e amena discussão com o Anjo. O que está certo ou não? O que é, e quem diz o que é melhor? Chega-se à conclusão que por vezes os aparentes maiores problemas têm a solução mais simples que se poderia calcular. Por vezes também, as coisas acontecem como têm de acontecer. Não é necessário pensar muito, apenas é necessário abrir os cordões à "bolsa da vida". ;)
Outras ideias ou frases que me ficaram deste livro:
"O amor é eterno, mesmo que só dure um segundo."
"Ter um casamento feliz é não permitir que a rotina do dia-a-dia destrua os sonhos, os pequenos prazeres, as brincadeiras e o acreditar no para sempre feliz.... Mas... um casamento desses pura e simplesmente não existe!... Ah! É irritante o pragmatismo das mulheres! Arrogam-se o monopólio de adjectivos como sensíveis e românticas e frágeis, mas quando a situação o exige rapam de um bom senso a resvalar para a frieza de que acusam os homens!"
Felicidade e estabilidade. Felicidade ou estabilidade?! Eis a questão!
"O sexo físico é uma arte que depende da intimidade, a paixão não garante nada."
"As pessoas precisam cada vez mais de falar e ser ouvidas, vivemos amontoados em terrível solidão."
"As mulheres são sensíveis mas pragmáticas, contemporizam o possível e fazem o necessário."
Escutar e ouvir podem ser coisas bem distintas.
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