Por norma adoro os textos do Ricardo Araújo Pereira. Porque acho que ele consegue escrever coisas estúpidas de forma estupenda! Sim... acho que para mim essa é mesmo a melhor definição do que ele faz. Às vezes são uma data de parvoíces pegadas, e nem sempre têm piada mas são sempre subtis e ligeiramente irónicas. E muitas vezes escreve muito bem, no meu entender, sobre assuntos muito polémicos ou caricatos da sociedade. Ando a ler as Mixórdias de Temáticas e hei-de falar disso aqui também porque me mato a rir com aquelas mini-histórias, se é que assim se podem chamar, das personagens todas elas de apelido Ribeiro. O Ricardo Araújo Pereira é uma das mentes que admiro. Tem de ser muito inteligente e simultaneamente simples para inventar as coisas que ele inventa e cria. É genial!
Este texto não foi excepção e quis partilhá-lo convosco. Aqui vai:
"Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos. O que digo é que nãosão móveis. Na altura em que os compramos, são um puzzle. A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros. Osproblemas dos clientes do IKEA começam no nome da loja.
Diz-se «Iqueia» ou «I quê à»? E é «o» IKEA ou «a» IKEA»?
São ambiguidades que me deixam indisposto. Não saber a pronúncia
correcta do nome da loja em que me encontro inquieta-me. E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no «I quê à», quando, para eles, é evidente que estou na «Iqueia».
As dificuldades, porém, não são apenas semânticas mas também conceptuais.
Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exactamente verdadeiro. O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos. É uma espécie de Lego para adultos.
Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta. Achei que combinava bem com a minha personalidade. Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos.
Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora.
Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem
duas ou três mulas. Eu alombei com a meia tonelada.
O que poupei nos móveis, gastei no ortopedista. Neste momento, tenho
doze estantes e três hérnias. É claro que há aspectos positivos: as
tábuas já vêm cortadas, o que é melhor do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso aconteça. Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.
Por outro lado, há problemas de solução difícil. Os móveis que comprei chegaram a casa em duas vezes.
A equipa que trouxe a primeira parte já não estava lá para montar a
segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no
trabalho que tinha sido iniciado pela primeira.
Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens e ficou
com um móvel incompleto. Se fosse um cliente qualquer, eu não me
importaria. Mas como sou eu, aborrece-me um bocadinho. Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico que o serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem. Idiossincrasias do comércio moderno. Que fazer, então? Cada cliente terá o seu modo de reagir. O meu é este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confetti num dia e a outra metade no outro.
E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.
Ricardo Araújo Pereira"
Diz-se «Iqueia» ou «I quê à»? E é «o» IKEA ou «a» IKEA»?
São ambiguidades que me deixam indisposto. Não saber a pronúncia
correcta do nome da loja em que me encontro inquieta-me. E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no «I quê à», quando, para eles, é evidente que estou na «Iqueia».
As dificuldades, porém, não são apenas semânticas mas também conceptuais.
Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exactamente verdadeiro. O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos. É uma espécie de Lego para adultos.
Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta. Achei que combinava bem com a minha personalidade. Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos.
Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora.
Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem
duas ou três mulas. Eu alombei com a meia tonelada.
O que poupei nos móveis, gastei no ortopedista. Neste momento, tenho
doze estantes e três hérnias. É claro que há aspectos positivos: as
tábuas já vêm cortadas, o que é melhor do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso aconteça. Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.
Por outro lado, há problemas de solução difícil. Os móveis que comprei chegaram a casa em duas vezes.
A equipa que trouxe a primeira parte já não estava lá para montar a
segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no
trabalho que tinha sido iniciado pela primeira.
Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens e ficou
com um móvel incompleto. Se fosse um cliente qualquer, eu não me
importaria. Mas como sou eu, aborrece-me um bocadinho. Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico que o serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem. Idiossincrasias do comércio moderno. Que fazer, então? Cada cliente terá o seu modo de reagir. O meu é este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confetti num dia e a outra metade no outro.
E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.
Ricardo Araújo Pereira"
Comentários
É realmente muito engraçado. Beijinho