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Leituras - "Na Patagónia"

de Bruce Chatwin. 1977.

"Patagónia ou "Terra do Fim do Mundo" é uma região geográfica que abrange a parte mais meridional da América do Sul. Localiza-se na Argentina e no Chile, e integra a secção mais ao sul da cordilheira dos Andes, rumo a sudoeste até o oceano Pacífico, e, a leste, até aos vales em torno do rio Colorado até Carmen de Patagones, no oceano Atlântico. A oeste, inclui o território de Valdívia, através do arquipélago da Terra do Fogo.
"O nome Patagónia vem da expressão Patagón, usada pelo português Fernão de Magalhães que, no século XVI e ao serviço da Espanha, alcançou este território e denominou os autóctones por patagóns/pés grandes. Os patagóns (que hoje se acredita serem os tehuelches) tinham uma altura média de 1,80m. Muito acima da média dos espanhóis da época que mediam cerca de 1,50m."
in wikipedia

Já há muito tempo que tinha este livro em casa mas não sei porquê ainda não lhe tinha "pegado". É nitidamente um livro/relato de viagens e aventuras. Neste caso o autor "pegou" num pretexto, um pedaço de pele que existia na casa da sua avó e fez justificar a sua ida à Patagónia, diz ele que para "tentar desvendar a origem  exacta daquele pedaço de pele espesso com pêlos avermelhados" que até aí todos lhe diziam ser de brontossauro. Acontece que o brontossauro era um réptil, não tina pêlos mas sim escamas. Pensou-se que talvez pertencesse a um mamute. Mas Bruce sentia que não. Acaba por concluir-se que se tratava de uma preguiça-gigante. Os únicos restos de pele e osso destes animais extintos existiam apenas no Museu Britânico e essa colecção tinha sido enviada da Patagónia chilena. Este pretexto de busca da verdadeira origem do pedaço de pele que conhecia desde pequeno e o gosto por geografia o o desejo de fuga no período da guerra fria e da eminente ameaça de bomba de cobalto fizeram com que Bruce quisesse ir para um canto perdido da Terra. Estudou o atlas e percebeu que o local mais seguro seria a Patagónia. Acho que ele queria simplesmente evadir-se de tudo o que o rodeava mas na sua mente não fazia sentido fazê-lo só porque sim então encontrou uma mão-cheia de pretextos. Porque a mente limita mas também é criativa.
Parte para a Patagónia e vai caminhando (umas vezes a pé, sozinho, outras de boleia, acompanhado) por todo o território. Reconstruindo histórias, e a própria história da Patagónia. Dos povos autóctones, índios, das conquistas, do deserto, do gado, das guerras e mortes, da infinidade de imigrantes que recebeu. De como todos eles sempre tentaram ter as mesmas tradições e as mesmas coisas que tinham nas suas terras-natal, tão longe que ficavam no mapa. Quase como se por mais longe que vamos ou nos queiramos mudar havemos sempre de pertencer e até querer estar perto do sítio onde  tivermos nascido, por mais árido ou agreste que ele seja. Penso que nisso se manifesta o equilíbrio da natureza. Não deveríamos deixar a nossa terra. A mobilidade de que gozamos é uma afronta aos planos da mãe-natureza que colocou cada coisa no seu sítio certo.
Este livro é uma excelente companhia. Lermos os pensamentos de alguém que viajou sozinho é reconfortante e ensina-nos muito. Por mais irónico que seja.
Bruce Chatwin era homossexual. Eu não sabia isso, mas houve uma (uma única) passagem no livro que me fez pensar isso pela forma como ele descreveu um homem que se cruzou com ele. Descreveu-lhe os olhos e as palavras, de a forma lânguida. Não achei muito natural para a altura em que o livro foi escrito. E mais tarde li sobre o autor. Inglês, bissexual, estudioso, creio que triste e complicado por viver numa época que o obrigava a sentir-se reprimido e por ser uma pessoa muito concentrada e muito pensante sobre as coisas.
Contraiu VIH e morreu na sequência de SIDA, com 49 anos.

Frases ou ideias que retive do livro:
"...acaba por concluir que os que andam pelo deserto descobrem neles próprios uma tranquilidade primordial (igualmente experimentada pelo mais primitivo dos selvagens) que talvez muito se assemelhe à paz divina."

"As estrofes da epopeia de Ercilla sobre as indomáveis tribos do Sul do Chile.
Robustos e imberbes,
os corpos tensos e musculosos,
membros fortes, nervos de aço,
ágeis, brônzeos, joviais,
vivazes, valentes, temerosos,
endurecidos pelo trabalho,
suportam o frio mortal, a fome e o calor."

Há uma aldeia do País de Gales chamada Llanfairpwllgwygyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogoch?!?!?!?! Parece que sim! Qual otorrinolaringologia qual pipapapígrafo ou trava-línguas qual quê!!

"os seus dedos apertaram-me o braço e fixou-me com um olhar intenso e luminoso. - Patagónia! É uma amante possessiva. Enfeitiça. Uma autêntica sedutora. Envolve-nos nos seus braços e nunca mais nos deixa partir."... "A chuva tamborilava no telhado de lata. Durante as duas horas que se seguiram, ele foi a minha Patagónia."

O sábio Padre Palacios... e o unicórnio da Patagónia. 

"Caminhos diferentes mas a mesma divindade."

"...águas verde-jade de um rio... estratos vulcânicos às listas cor-de-rosa e verde como um estandarte de cavaleiro medieval... quatro montanhas, quatro cumes, uma bossa púrpura, uma coluna alanranjada, um feixe de agulhas rosadas e o cone conzento de um vulcao extinto coroado de neve. O rio desaguava nas águas turquesas de um lago, o lago Ghio. As margens eram de um branco ofuscante e as falésias da mesma cor, ou listadas horizontalmente de castanho-avermelhado. Ao longo da margem norte, uma faixa de ervas separava as águas azul-safira das lagunas de água opalina do lago. Milhares de cisnes de pescoço negro salpicavam a sua superfície e os baixios estavam cobertos de flamingos. Paso Roballos tinha verdadeiramente o aspecto de um eldorado e talvez o fosse.".... com uma descrição assim.... a Patagónia só pode ser uma terra mágica.

"..os índios chamavam-se a eles próprios yámana. Verbo: viver, respirar, ser feliz, restabelecer-se de uma doença ou ser são. Substantivo: gente por oposição aos animais. O território de uma tribo era sempre visto como um paraíso imutável." Os homens rosados também eram humanos" ... lembram-se agora os que na altura os mataram como se fossem bichos.

e já agora..."o milodonte era uma preguiça-gigante, maior que um touro, pertencente a uma espécie exclusivamente sul-americana.

Gostava de ir lá. À Patagónia.

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