Esmiuçar é já de si uma palavra ou expressão caricata. Só a ideia de "reduzir a pequenos fragmentos; esmigalhar ou esfarelar" qualquer coisa é sui generis. Mas aquilo que me traz a escrever-vos este post é sobre uma outra expressão que se ouve muito: "As coisas nem sempre, ou nunca, são o que parecem". A maior parte das vezes que ouvimos alguém dizer isto rapidamente subentendemos que se trata de uma pessoa ou uma situação em que a verdade está encoberta ou oculta, propositadamente. Um alguém a fazer-se passar por coisa diferente daquilo que é, ou uma situação em que tudo parece um mar de rosas e afinal é um inferno, ou o contrário (embora esta expressão seja mais utilizada para criticar negativamente do que o inverso).
Pois cá a mim esta expressão é das mais representativas daquilo que a realidade é efectivamente para a nossa mente. Não pensem no vizinho que parece rico e é pobre, nem nos que aparentam ser felizes ou bem-sucedidos e afinal são uns tristes e fracassados. Pensem literalmente na expressão e não apenas nos contextos em que costumam ouvi-la. De repente uma expressão comummente utilizada nas "tertúlias" cor-de-rosa de corte e costura passa a ser uma verdade absoluta e muito certa. Muito iluminada até.
Sim.
As coisas raramente, ou mesmo nunca, são o que (nos) parecem. Pois não. Quem disse isto pela primeira vez tinha muita razão.
O nosso olhar e percepção sobre as coisas é limitado está completamente dependente de filtros e direccionismos mentais que nos condicionam a visão e fazem com que aquilo que vemos e sentimos seja apenas aquilo que pensamos ver e sentir, e não necessariamente aquilo que o é de verdade. Aquilo que vemos nunca é a realidade total. A nossa mente não tem capacidade para isso. E por outro lado, à nossa mente também lhe interessa moldar certo tipo de informação.
Por mecanismos de sobrevivência e auto-protecção, a nossa capacidade sensorial filtra toda a informação que existe em nosso redor, de forma a trazê-la até nós e isso, aliado à nossa genética e experiência e educação, faz com que o resultado seja senão uma fotografia (e de baixa resolução...) que a nossa lente ocular e mental regista das coisas. E como consequência a nossa opinião dessas mesmas coisas é subjectiva e por isso tantas vezes diferente de pessoa para pessoa perante uma mesma realidade. Ou seja, inconscientemente utilizamos filtros que nos foram incutidos ou com os quais nos identificamos (como pontos orientadores de percurso) na interpretação das coisas que nos rodeiam, das pessoas e das situações por que passamos ou observamos. Mas haverão sempre milhões (sim...imensos, infinitos) de pormenores, de pequenas pecinhas deste puzzle gigante que é a realidade, que nos escaparão. Não porque nos fujam ou nos sejam ocultados (como a expressão que levou a este post nos induz naturalmente), mas sim porque nós não conseguimos apanhar todas as variáveis componentes dessa equação superior. E talvez se conseguíssemos não teríamos imediata capacidade mental para processar todos esses dados e ter um output em tempo útil e vital.
Nós existimos, vivemos é certo, mas movemo-nos por instintos, sensações e impulsos. Pensa mal quem achar que somos muito mais do que isso. Actualmente ainda não.
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