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Reportagens deseducativas

                         
                         No. This society is stupid whenever people refuse to think by themselves.

A estatística tem muito que se lhe diga. A maior parte das pessoas ouve a palavra Estatística e começa logo a pensar em médias e modas e medianas e desvios-padrão e intervalos de confiança e alfas e probabilidades e etc. Ou talvez apenas pensem: Fogo... aquilo eram só fórmulas e coisas que não servem para nada. Mas no nosso dia-a-dia e nas nossas tarefas muitas vezes fazemos estatísticas e tomamos decisões com base nesses dados, e nem sempre nos apercebemos disso! 
Acima de tudo é muito importante termos noção do que são efectivamente as estatísticas e como é que se chega aos valores que nos são apresentados. Calma. Isto tem um intuito. O de dizer que muitas vezes ouvimos ou lemos notícias ou estudos ou artigos científicos e caímos que nem carneirinhos mansos e ranhosos naquilo que nos dizem. Que pode ser a maior mentira do mundo. E ficamos a pensar o quanto aprendemos por ficarmos a par daquela informação. Pois muito cuidado nisso. Nem tudo o que lêem, mesmo que tenha as mais variadas e comprovadas fontes, é necessariamente verdadeiro ou fidedigno... ou rigoroso, como seria desejável.

Aqui há dias estava a ler um artigo sobre o poder cada vez mais premente do sexo feminino nos graus de habilitação mais elevados (ainda que isso nem sempre se revele em cargos superiores no mercado de trabalho...), em Portugal. E dizia que as meninas são mais maduras que os rapazes, que esse facto coloca-as em vantagem porque na mesma idade são colocados ambos os géneros perante o mesmo tipo de ensino e matérias e as raparigas conseguem concentrar-se mais e portanto aprender mais depressa e ter melhores notas. Dizia também, por via de inúmeros gráficos e tabelas, que o sucesso escolar feminino (versus o insucesso escolar masculino) era bem visível na taxa de desistência e abandono escolar, e na quantidade de mulheres vs homens com o grau de doutoramento. Até aqui tudo muito bem e um raciocínio normal.
O problema foi ver o seguinte:

1 - População com o ensino secundário completo: 50,7% mulheres e 49,3% homens;
2 - População com o ensino superior: 16,9% mulheres, 12,4% homens do total de licenciados
3 - Taxa de abandono escolar: 27,1% homens, 14,3% mulheres
4 - População doutorada: 55,4% mulheres, 44,6% homens

e eram estes os valores que se apresentavam a fundamentar o texto. Ora bolas.... BULLSHIT!

Estes profissionais deviam ser chamados à atenção. Porque colocam no mesmo texto informativo dados contraditórios ou pouco claros. Ou mal-definidos vá lá. Acho que quem o fez não fez por mal porque os valores lidos à primeira e de forma leiga parecem indicar precisamente aquilo sobre o que se queria falar. E talvez até seja mesmo verdade que as mulheres sejam melhores alunas do que os homens. Mas não com base nos valores apresentados. Passo a explicar.

Segundos os dados do último recenseamento à população realizado pelo Instituto Nacional de Estatística no ano 2011, a população residente em Portugal é de 10.562.178 habitantes, dos quais 5.515.578 são mulheres. Isto significa que 52,2% da população é do sexo feminino. Ainda que com alguma taxa de não cobertura e de erro estas são as estatísticas oficiais e mais próximas da realidade. Aliás... estatística faz-se por isso mesmo. Sempre que não consigamos saber exactamente os dados totais e reais de uma dada população. Bem... embora estejam a nascer mais meninos do que meninas (48% do total de nados-vivos anuais nacionais são do sexo feminino), há actualmente mais mulheres do que homens. Logo, é mais provável que as turmas e as escolas tenham mais alunas do que alunos e por conseguinte olhando para o total de graduados parece que as mulheres têm mais sucesso porque no final também concluem mais mulheres do que homens, o que até pode ser verdade, mas não esqueçamos que começam essa competição de forma diferente, logo não são comparáveis.
Mais, dizer que as meninas conseguem ir mais longe porque dos doutorados 55,4% são mulheres é uma afirmação completamente estúpida se for baseada apenas nisso. Se há mais mulheres do que homens a estudar e a seguir mestrados e doutoramentos é lógico que no final vão à mesma haver mais mulheres doutoradas ou o raio que as parta. Se a jornalista dissesse: do total de mulheres que seguem para doutoramento 55,4% concluem essa etapa e do total de homens que seguem para doutoramento 44,6% concluem então já podia afirmar que, na comparação de géneros ou sexo, as mulheres concluem em maior % o grau de doutoramento, e além disso, os números totais revelam que de facto existem mais mulheres doutoradas do que homens. Assim muito bem, e tentando usar os mesmos valores, e cuja soma não teria nunca de perfazer os 100% porque se analisa inter-sexo e não o total do grosso de doutorados. Essa perspectiva é muito linear.
Mais... "os meninos abandonam mais a escola porque apresentam a maior taxa de abandono. A taxa situa-se nos 27,1% para os homens e 14,3% nas mulheres". Isso é muito relativo e não está bem apresentado. Mais uma vez não se teve em atenção a comparação de grupos iguais nas condições de partida e por sexo. Imaginem este caso: se existirem 1000 meninas numa escola e 500 rapazes, então podemos afirmar que os rapazes abandonam mais a escola se a taxa de abandono no sexo feminino for de 50% (500 meninas) e no sexo masculino for de 100% (todos os  500 meninos)??? Não! Porque em números absolutos desistiram igual número de meninas e meninos. Isto só para mostrar que o facto de ter uma taxa maior não quer dizer nada. Porque na verdade, e dentro do próprio grupo, a taxa de desistência e abandono resulta num igual número de alunos e alunas desistentes para os valores que aqui apresentei. Básico não?!

O que importa reter é que há que ter cuidado e ler atentamente e tentar perceber de onde vêm os valores e estatísticas que são apresentados naquilo que lemos. Importa saber como foram calculados, as fontes serem fidedignas, e avaliar objectivamente se o estudo foi ou não bem construído. Se não foi, então todas as conclusões e afirmações apresentadas podem, até prova em contrário, serem consideradas inválidas e inúteis.

Tento ler artigos científicos sobre variados temas, embora mais frequentemente relacionados com a saúde e a evolução que a investigação vai apresentando nesta área. É muito comum não estarem explícitos os métodos de recolha dos dados, selecção da amostra, representatividade desta, os testes efectuados, a definição dos grupos para efeitos de comparação, e muitas vezes chego ao final desses artigos e penso para mim mesma: ora muito obrigada... tanto palavreado mas depois a brilhante conclusão do estudo ou só se aplica à amostra estudada (que pode ser 1 pessoa....nos casos extremos) ou então a fundamentação estatística que o artigo apresenta está tão confusa e é tão fraquinha que se percebe claramente que aquilo que ali está não merece atenção porque não mostra rigor.

E é tudo.

PS: Só por curiosidade... e porque eu também não sabia... há realmente coisas engraçadas... Dia 20 de Outubro é o Dia Mundial da Estatística! Muito a jeito este meu post heim?!


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