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Surrealidades do meu dia-a-dia #5

Imaginem-se a serem peões no trânsito. Peões num dia respeitador. A passar a estrada na passadeira. Quase a meio da passadeira um carro albaroa-vos, passa por vocês a alta velocidade, toca-vos na roupa e os vossos cabelos esvoaçam. O vosso corpo cai para trás. 
Tive tempo, numa fracção de segundo, de olhar para o condutor enquanto me atropelava.

Ele não parou.
Olhei para o carro a ir pela estrada fora. Vi que era um Renault Clio branco e vi a matrícula. Naquele momento de ansiedade e depois de confirmar que estava tudo bem comigo e tudo não tinha passado  apenas de um valente susto, repetia para mim mesma a matrícula que vi, para não me esquecer.
Nessa tarde desloquei-me à polícia.
Expliquei o sucedido. O carro não parou na passadeira que eu estava a atravessar e só não me magoou gravemente (dada a velocidade a que ele ia) porque, sem saber explicar porquê, algo me puxou para trás e eu inclinei-me ao mesmo tempo que ele passou por mim. Sabia qual tinha sido o carro, vi o condutor e tinha a matrícula.

Resposta da polícia... "não podemos fazer nada. Não temos provas de nada. Você nem ferida está! Só se tivesse lá um polícia a ver. Caso contrário é a sua palavra contra a dele."..e "visto não lhe ter acontecido nada... esqueça mas é o assunto".
Saí da polícia mais nervosa do que tinha entrado. E com vontade de chamar nomes àquela gente toda e a esta sociedade burocrática e hipócrita em que vivemos. 
Custou-me esquecer este assunto. 

Passados largos meses... a caminho de casa dos meus pais... vejo num bairro contíguo... um Renault Clio branco estacionado. Vejo a matrícula. -- - -- - -- Era a matrícula do carro que me atropelou. 
O que faço?
Não consigo deixar passar esta coincidência.

Vou ao pé do carro. Não está lá ninguém. Reparo nuns senhores sentados ali perto. Dirijo-me a eles. Pergunto se sabem de quem é aquele carro. 
Um deles levanta-se, vem para a minha frente e diz-me que sim. Que o carro é do filho dele. Perguntou se havia algum problema, num tom um bocadinho ameaçador.

Já que ali estava também não me ia acobardar agora. Respondi-lhe no mesmo tom que sim, havia um problema. O seu rico filho tinha-me atropelado no dia tal às tantas horas, na passadeira tal.

A expressão dele mudou. Quase o ouvi engolir em seco. Tirou a boina que tinha na cabeça, colocou-a ao peito em sinal de respeito e disse-me que ia chamar já o filho que estava deitado a dormir. Se ele tinha feito isso também ele, o pai, se ia zangar.
O senhor subiu as escadas do prédio, entrou em casa, e daí a pouco comecei a ouvir os dois a discutirem. O filho gritava que não queria saber de mulher nenhuma e que não vinha cá abaixo. O pai gritava-lhe... ai vais, vais!!!

E assim foi. Passado algum tempo, lá apareceu a besta em forma de puto (20 e tais anos) vaidoso e convencido. 
Muito agressivo comigo.
Disse que às vezes emprestava o carro a um amigo, que de certeza que não tinha sido ele, que nem lembra do sucedido... e basicamente deu a entender que eu era uma lunática.
Falei-lhe que tinha ido à polícia naquele dia.
"ai foi? pode ir. Faça queixa, não tou preocupado."
"Não, não fiz queixa. Não fiz queixa porque eu não quis. Porque tinha testemunhas por isso ainda posso fazer. Mas fique sabendo que não esqueci nem vou esquecer a sua matrícula nem a sua cara e um dia, quando matar uma pessoa, não se esqueça que foi avisado".

O rapaz olhou para mim... muito sério... e disse-me. "eu não me lembro, acho mesmo que não fui eu... mas desculpe."

Pronto, era só isto que eu queria. Um pedido de desculpas. Porque na estrada toda a gente tem distracções e afins.
Não é bem o caso deste rapaz porque passados uns dias volto a ver o carro (!!!) na cidade, era ele a fazer ultrapassagens que nem um doido. Deve ter as hormonas lá bem no alto. Tem mesmo aquela atitude estúpida de quem se acha o maior, o mais rápido e o mais forte. Uma criança portanto. O cérebro de uma criança num corpo de homem. 
Que é que se há-de fazer?! Este tipo de gente não vai lá com conversa nem tampouco com gritos, só aprende de uma forma... a bater com a própria cabeça nalgum lado. Desejo-lhe portanto sorte. Não na batida (que espero que ele dê!!) mas que não fique muito magoado e aprenda qualquer coisinha,

(sim... eu sei... quase que parece mal colocar aqui um elefante a ouvir um sermão do também inteligente senhor dom rinoceronte... visto tanto estes como aqueles serem seres extremamente inteligentes, coisa de que o tal rapaz não se abona nada. Perdoem portanto todos os elefantes e rinocerontes deste mundo!)

Comentários

José Luís disse…
Admiro essa tua coragem Ana. Imagina que o filho do homem era um gandulo da pior espécie ou que o carro pertencia a um mafioso daqueles mesmo daninhos...Sabes que há uns anos também ia na rua, perto da beira do passeio, quando passou por mim um carro a alta velocidade que por milimetros não me atropela. Naquele momento e naquela fracção de segundos eu desviei-me ligeiramente para o passeio. Eu estava de costas para o carro e nem me apercebia que ele se estava a aproximar mas foi como que se tivesse sido puxado para o passeio. Foi assustador e estranho. Talvez tenha sido o Anjo da Guarda ... Beijinhos :)
Ana Dionísio disse…
Sabes Zé... também pensei nisso. Acredito que sim. Há por aí "coisas" boas, de bem, que nos protegem e orientam. :)

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