O acontecimento de hoje é capaz de não ser assim tão surreal nem acontecer a pouca gente, infelizmente...
8 horas da manhã. Novembro. Dia frio e enevoado. Não se vê ninguém na rua. Eu sinto-me doente. Já ando assim há alguns dias e, após uma noite mal-passada a tossir, decido ir às urgências do Centro de Saúde da minha área de residência.
Fiz a inscrição, paguei, e aguardei que me chamassem. Primeiro nem me sentei porque reparei que não estava ninguém a ser nem para ser atendido, se não eu, e portanto devia ser imediatamente chamada. Passaram alguns minutos e não fui, Decidi então sentar-me. Após cerca de 10 minutos (sim... para quem não tinha ninguém à frente achei uma falta de respeito enorme!!!) a médica lá me chamou.
Entro no gabinete. Ela nem fez por disfarçar. Em cima da secretária tinha um livro sobre a história da rainha Vitória de Inglaterra, com o respectivo marcador quase no final, e indubitável e visivelmente colocado em cima da mesa numa posição de quem esteve a ler ali sentado e teve de se levantar (o livro estava do lado direito da mesa, ligeiramente inclinado para a direita também). Não foi portanto difícil perceber que a médica demorou mais tempo que o previsto a chamar-me porque... credo... estava a acabar de ler um capítulo do livro. Devia estar numa parte mesmo interessante. Eu gosto imenso de ler e custa-me despegar quando o começo a fazer e estou a gostar do livro... mas ela era médica, aquilo é um serviço de urgência, e eu estava doente, com a consulta já paga, à espera que ela me atendesse.
Fiquei fula com esta falta de respeito e profissionalismo mas não disse nada. (Alguma coisa tenho de aprender com as consequência que já tenho tido ao logo da vida por ser "frontal demais"...).
O que me dá mais raiva nesta gente, assim como tantas outras pessoas que o fazem, noutros locais, noutras posições e profissões, é a arrogância e simultaneamente a ignorância dissimulada. Aquilo que mais desprezam ou menosprezam é precisamente o que justifica a posição em que estão e que lhes permitem fazer o que fazem. Aquela médica só é médica porque há doentes. Qual o objectivo de não tratar da melhor forma possível e exequível esses doentes? Não sei porque fui lá. Talvez porque quanto estamos doentes sentimo-nos fragilizados (mais uma razão para os profissionais de saúde terem especial atenção...) e afinal acho que sabia melhor o que tinha do que aquela senhora que estava ali sentada atrás sa secretária.
Começou a passar a receita, calada. Ao que, tendo esse direito, lhe perguntei o que tinha eu afinal. Resposta... "ai isso é destas mudanças de temperatura".... Assim, de forma banal e lacónica. E eu voltei a insistir para ver o que ela respondia. Ela responde, hesitante,... "pois... ahhhh.... é uma infecção a nível da garganta, também pode ser tosse alérgica."
Burra... (desculpem, mas foi o que pensei...)
"Isto é uma faringite, e é bacteriana, senhora doutora." disse-lhe eu.
Ela olhou para mim e, sentindo-se ofendida (era esse mesmo o meu objectivo), respondeu que ainda não dava bem para ver. hã hã... Enfim.
Deve pensar que eu não sei o que estou a dizer.
Peguei na receita, disse bom dia e agradeci (só por boa educação porque a vontade era mesmo mandar a senhora àquele sítio...).
Mas antes de sair ainda me virei para ela e disse-lhe... a doutora nem me viu a temperatura... (isso é coisa impensável de não ser feita num caso de possível resfriado, gripe, faringite ou amigdalite viral ou bacteriana... porque despista diferentes diagnósticos...).
Ela abriu os olhos com mais aquela subtil afronta de um doente e disse-me. "Então mas se quiser tirar a temperatura... tome lá o termómetro...." (Que tristeza esta forma de tratar o doente... acima de tudo senti-me triste pelo nosso Serviço Nacional de Saúde...). Peguei no termómetro e não tinha febre.
Ao que a senhora doutora afirma... (preparem-se porque esta observação resume a atitude profissional da senhora)-.... "pois eu vi logo que você febre não tinha..."
Tive para lhe perguntar se ela tinha poderes especiais ou algo do género que lhe permitisse ver a temperatura das pessoas só olhando para elas. Mas não disse nada. Tive para comentar... "ai sim? Foi de olhar para a minha cara?!?!!). Mas não o fiz. Não vale a pena.
Vim-me embora... e como eu fiz, nem imagino quantos milhares de doentes por esse país afora também são atendidos assim. Por profissionais que não merecem o trabalho que têm.
Saí de lá... um bocado esquecida dos sintomas que lá me levaram... um bocado anestesiada e paralisada e perceber que há problemas muito grandes e estruturais a nível dos cuidados primários de saúde.
Como é que querem que o doente vá sempre primeiro ao Centro de Saúde se o atendimento é tão parco e simplista? Aquela malta não está virada para resolver problemas e identificar correctamente doenças específicas. Para eles tudo é: a) virose, b) resfriado, c) continuam sem saber nem quererem dar-se ao trabalho de investigar mas inventam outro nome.
Isto é um pesadelo?? Acordem-me por favor!!!
Comentários
Olha eu também sinto isso quanto às pessoas que se dizem profissionais de saúde mas que não tratam da forma ideal o doente. Neste caso, o episódio não foi apenas caricato e um pouco triste... como também extremamente ineficaz. Escusado será dizer que daí a 2 dias fui novamente ao médico, neste caso um profissional com uma atitude bastante diferente da anterior, e viu-me e atendeu-me com profissionalismo, e com carinho... porque sim... quando estamos doentes não precisamos apenas de exames e medicamentos... precisamos acima de tudo de nos sentirmos protegidos e acarinhados pois isso é parte da cura, isso fortalece o nosso espírito e o nosso sistema imunitário, deixando-o propício à cura. Ora, tive outro tipo de atendimento (muito diferente) e outro tipo de tratamento. Após 3 dias já estava bastante melhor.
E é isso... um bom profissional é aquele que executa as suas tarefas com zelo e dedicação... nunca desprezando o objecto do seu próprio trabalho. Enfim.... as coisas equilibrar-se-ão um dia... gosto de acreditar que sim. Que tudo o que damos a nós regressa. Ao menos isso nos sirva de consolo e esperança.