Há um homem que vejo com muita frequência perto do local onde trabalho. Sempre me despertou a atenção. Anda sempre com uma mala preta. Calculei que devia trabalhar como comercial ou algo relacionado com negócios. Tem um ar sério (no sentido de credível e confiável mas também no sentido de ser pouco sorridente, um bocadinho sisudo até!). Só há pouco tempo é que começou a responder aos meus bons dias ou boas tardes. Tem sempre um ar pensativo. Tem um olhar de quem consegue ver mais além. Tem o cabelo grisalho, barba igualmente grisalha, é magro, deve ter uns 60 anos, e aparentemente parece uma pessoa normal ou usual... ou banal!
Parece. Porque não é.
Há pouco tempo fiquei a saber que foi bancário e já está reformado há alguns anos. Aquela mala preta que ele carrega dia após dia desde manhã cedo até à tardinha tem recortes de jornal e notícias sobre os números do totoloto e do euromilhões e do totobola.
Aquele senhor, com o seu ar sempre muito refexivo, leva de facto os dias inteiros a recolher informações sobre os jogos em que aposta, em Portugal e em Espanha. Tem cada recorte de cada resultado e a cada nova informação é vê-lo muito compenetrado a fazer contas e previsões.
Suponho que o objectivo dele, na vida, seja ganhar um grande prémio. E para isso busca uma fórmula certa de previsão dos números sorteados.
A história dele fez-me lembrar a história de um grande matemático - Jonh Nash - Prémio Nobel em 1994 na Teoria de Jogos e cuja biografia já foi adaptada para filme, em "Uma Mente Brilhante" ou "A Beautiful Mind" com Russell Crow no principal papel, Um filme lindíssimo e também chocante por dar a conhecer uma história verdadeira, de como, a genialidade e a doença psíquica podem andar muito perto uma da outra. Por vezes quase se confundem. Jonh Nash sofre de esquizofrenia paranóide. Tinha como obsessão os recortes de jornal e na cabeça dele havia ligações e mensagens secretas entre excertos de notícias diferentes. Ainda assim, e após muito sofrimento do próprio e da família conseguiu levar avante os seus estudos e as suas pesquisas científicas e hoje em dia é uma personalidade bastante conhecida e reconhecida no mundo da investigação científica.
Não sei se o senhor que vejo frequentemente terá a mesma sorte, que no seu caso, seria talvez conseguir adivinhar a chave dos jogos e ganhar um grande prémio.
Ainda assim, não sei o que ele faria caso ganhasse mesmo um grande prémio. Provavelmente não se iria sentir muito feliz ou com sentimento de tarefa concluída, porque na cabeça dele. a vida parece só ter sentido a recolher notícias e a fazer contas e conjecturas. É com isso que ele preenche os dias inteiros, deambulando pela cidade, com a sua pasta preta (o seu verdadeiro tesouro!), encostando-se aqui e ali à medida que sinta a necessidade de fazer cálculos (vejo-o muitas vezes encostado a um muro com um papel e a caneta na mão, a falar sozinho, no seu mundo de números e equações, e a rabiscar o papel).
Espero que ele consiga ganhar algum prémio, mas não um prémio que o faça deixar de tentar ganhar outra vez. Afinal de contas é isso que me parece que a ele lhe dá gosto fazer. :)
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