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Surrealidades do meu dia-a-dia #27

Vou ao Posto de Turismo comprar um livro para oferecer. Para os mais curiosos o livro é sobre a Arte Azulejar da região. (Dei uma vista de olhos e de facto pareceu-me muito interessante...)

Durante a manhã já tinha ligado para lá, para saber até que horas estavam abertos, se tinham o livro e qual o preço. Foi-me dito que podia ir até às 18h, que sim tinham o livro e custava 30eur.

Apareço lá por volta das 17h40.

(Só para introduzir o início dos acontecimentos devo referir que quando lá entrei estava um senhor, turista, francês a pedir algumas informações. Apercebi-me que a senhora que o estava a atender estava também (!) ali um bocado enrolada com a fala e não sei se o senhor conseguiu saber o que precisava.... pareceu-me que não. Ora digamos que, para começar, não fiquei assim com muito boa impressão da coisa.... um posto de turismo de uma dada localidade, para todos os efeitos, é a primeira abordagem do turista para com essa localidade. Para além de ser um local onde todas as informações e facilidades sobre a região devem ser dadas de forma clara e apelativa, funciona como imagem da própria localidade para o exterior através dos turistas.)

Chega portanto minha vez de ser atendida. Digo que venho comprar o livro tal. Reparei que na secretária da senhora que me ia atender estava um cigarro enrolado e as chaves do carro. E senti na voz dela, ainda que tentasse ser simpática, uma certa relutância por ter ainda de me atender a mim. Afinal de contas era quase hora de saída (!!!!!grande lata a minha aparecer assim 20 minutos antes das 18h!!!!), ela estava a precisar ir fumar um cigarrinho antes de abalar (coisa que já tinha adiado para atender o tal "franciú"), para depois apanhar as chaves do carro e ir-se embora. Não gosto nada do que vou dizer em seguida porque não gosto de generalizações mas... aquilo tresandava a funcionalismo público no pior sentido que estas duas palavrinhas podem ter na descrição do que alguns (não) fazem ao serviço do Estado.
Avante.

- 'Ahhh não sei se tenho o livro! Tenho de ir ver lá dentro. Espere aqui um bocadinho.' - diz ela. E eu a olhar para um exemplar mesmo atrás da cabeça dela.... okey....

- Sim, faz favor - respondi...

E nisto, antes de ir lá dentro ver se tinha algum exemplar, a senhora pára, vira-se para mim, e num gesto quase teatral a levantar os braços e a acentuar as expressões faciais (abriu muito os olhos e a boca!), assim como a voz, comunica-me o seguinte:

- Vou já avisando que a gente aqui não passa recibo ta bem?! É que o livro não é nosso. A gente vende-o aqui à consignação mas isso dos recibos é com a Agência para a Defesa do Património Cultural. Quer o livro na mesma?

Ora, confesso que eu até nem ia pedir recibo. Nem me lembrava disso! E não achava necessário! O livro é o que a pessoa a quem o vou oferecer quer e sei que não vai precisar trocar ou devolver. Mas achei caricato o facto de um local de venda sob responsabilidade da Câmara Municipal, um organismo público e estatal, fazer uma coisa daquelas. Faz o que eu te digo, não faças o que eu faço, foi o que me lembrei naquela situação. Então mas o Estado anda a obrigar que todas as vendas tenham recibo e sejam portanto declaradas mas depois não faz isso com as próprias vendas e ainda por cima com uma enormíssima leviandade?! Isso é que era bom.. Pois agora quero sim. Quero, preciso, respiro recibos!

- Pois não sei como é que vai fazer mas sim eu quero o recibo se faz favor.- Disse-lhe.

(E já agora, vender à consignação não é argumento para não se passar um recibo. A venda à consignação significa que um artigo é colocado a vender numa dada loja. Se a venda ocorrer, essa loja passa o recibo ao cliente e paga o artigo ao fornecedor. Se a venda não ocorrer o artigo é deolvido ao fornecedor. Basicamente funciona como que uma venda sem compromisso por parte da loja. Acontece nos casos em que o fornecedor/produtor está a testar um produto ou sabe de antemão que pode não conseguir fazer escoar o produto no mercado. A loja faz assim um favor ao fornecedor e claro, se vender o artigo, pode cobrar uma certa margem de lucro, ou não. Isso depende do acordo entre as partes.)

- Então olhe. Pode levar o livro já daqui mas depois ou me dá o seu contacto para eu ver como é que eles (a tal Agência) querem fazer, ou a senhora vai lá à deles (e disse-me onde ficavam os escritórios) ou então então eu dou-lhe o contacto deles. - diz ela.

- Hummm pode dar-me o contacto que eu vejo isso então com a Agência ou tento ir lá se conseguir arranjar um tempinho.- digo eu.

- Ah quer o contacto.... Ta bem. Mas eu não tenho o contacto geral. Eu tenho é um telemóvel. - diz ela.

- Não faz mal. Pode ser o telemóvel. - digo eu.

- Pois... mas este telemóvel é de um amigo meu que trabaha lá... é privado. A senhora não conhece o autor do livro, o Prof. X? - Diz ela.

(what?! Então mas por que raio é que ela me disse se eu queria um contacto que ela não tem?!?!?....Não sei o que é que esta senhora anda a tomar mas não me parece muito apropriado para fazer atendimento ao público!!!) - Respondo: - Ok. Conheço mas só de vista.

- Ah.... é que se o conhecesse devia falar com ele e pedir-lhe o recibo.

(não tou a acreditar nisto... a senhora acha normal vender-me o livro e dizer-me que, quando encontre o autor do livro, lhe peça o recibo!?!?!? Aiiiiiiiiii não sei se ria, não sei se chore. Agora vou puxar mais por ela para ver até onde é que isto vai!....)

- Escute lá. Eu quero o recibo. Tenho de levar o livro já hoje porque é para oferecer o quanto antes. Já percebi que a senhora aqui não me vai passar o recibo por isso... não se preocupe que eu depois vou lá à tal Agência e falo disto com eles e quem sabe.... trago o recibo! - disse-lhe, com um bocadinho de ironia.

- Sim, está bem. Então eu vou ver se tenho ali mais algum exemplar do livro. - disse ela, com um olhar meio confuso.

Lá voltou com (mais) um exemplar do livro. Perguntei-lhe se faziam embrulhos porque era para oferecer. Ainda experimentou se o livro cabia nuns embrulhos que já tinha feitos e que tinham para aí metade do tamanho do livro e constatou que... (tan tan tan tan) o livro não cabia lá. (uhhhhhhhhhhhhhh)
Depois disse-me que tinha de ir buscar mais papel de embrulho lá dentro. Lá foi e voltou com o papel, uma tesoura e fita-cola.
Começou a fazer o embrulho. Não sei se estava nervosa ou se nunca tinha feito um embrulho na vida mas demorou uns bons 10 minutos de volta daquilo. Ora dobrava daqui, mas esticava acolá, depois dava a volta para ver se o papel estava certinho, depois dobrava outra vez. Bem.... eu não me consegui conter e agarrei na fita-cola e disse-lhe que aquilo não era nenhum nariz de santo, fui ajudá-la, ela dobrou e eu coloquei a fita-cola rapidamente para ver se ela despachava aquilo. Estava a dar-me nervos!!

Entretanto perguntei-lhe:
- Então e se a pessoa já tiver o livro e precisar trocar ou devolver? Como não tenho recibo, posso dizer-lhe que venha directamente aqui?

(ai o que eu fui perguntar!!!)

Ela abriu muito a boca como se estivesse a ver uma onda tsunami a vir na sua direcção (sim, a expressão dela era pré-apocalíptica!! lol).

- o quê? Devolver?! Então mas... mas.... isso eu não sei. Mas acho que tem de ir lá à Agência. Eles lá é que tratam disso dos devolutivos. - disse ela.

- Ah ok. Eu depois vou lá então. - respondi. Aquilo não podia estar a acontecer. Percebi que estava no meio de mais uma (das minhas?!) surrealidade(s).

Já eram 18h e ali estávamos nós. A senhora que precisava sair deste seu trabalho altamente stressante e exigente e eu, a chata, que fui lá comprar um livro! :D

Lá lhe passei os 30 eur e agarrei no livro, agora embrulhado, para me vir embora. A rir-me com aquilo tudo.

Ao que... preparem-se....a senhora, no preciso momento em que abri a porta para ir embora, me diz:

- Espere aí!! Não se pode ir embora!! 

- Desculpe?! Mas porquê? - respondi, continuando a agarrar na porta.

- Preciso que me diga o seu nome, morada, telefone e e-mail para eu escrever aqui. - diz ela.

- Mas para que é que quer os meus dados? E se eu não quiser dar? Isso é para quê? - respondi e perguntei.

- Olhe... isto é aqui um caderninho que me disseram que tenho de preencher sempre que vender um desses livros. Isto depois vai lá para a Agência. Acho que é para eles depois lhe enviarem o recibo.

Silêncio. Profundo, e profundamente...cortante! Mais silêncio. Eu fiquei ali a olhar para ela.  Como numa cena em câmara lenta...
Lá respondi:
 - .... (mais um bocadinho de silêncio).... está bem. Eu sou a tal, o meu telefone é tal e o meu e-mail é tal. Obrigada. Boa tarde.

Vim de lá um bocado parva com aquilo tudo. Vinha a rir-me sozinha. Continuo sem saber por que "carga de água" (devia ser do tal tsunami imaginário, só pode!... lolololololol) é que a senhora me fez aquele filme todo sobre o recibo quando afinal ela já tem indicação para recolher os dados das pessoas que compram o livro para depios lhe ser enviado o dito cujo, sim o recibo!

Concluo, (ou repito)...: Não sei o que é que aquela senhora anda a fumar/tomar mas não me parece lá muito indicado para fazer atendimento ao público. 

!!!
(será que estas coisas só acontecem comigo? Será que só eu é que vejo estas coisas? será que nada se passou assim e eu é que interpretei tudo ao contrário e quem anda a fumar/tomar coisa esquisitas sou eu?
Acho que nunca vou saber. Portanto continuo a relatar estas minhas aparentes e efectivas surrealidades...)

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