de Raquel Ochoa. 2015.
Este livro veio parar-me às mãos de uma forma absolutamente curiosa e inovadora para mim! Pois... que sou grande fã da autora/escritora e sem grandes expectativas resolvi participar num pequeno passatempo que aquela criou numa rede social por altura do lançamento do livro: "O primeiro a adivinhar de que reino chegou o barco que aportou inusitadamente em Lisboa e é o centro do meu próximo romance histórico "As Noivas do Sultão", recebe um livro em casa. Simpatia da editora Parsifal". Depois de alguma pesquisa, podiam ser muitos os reinos. E tinha de ser árabe. Portanto arrisquei em Marrocos! E acertei! E ganhei o livro! E fiquei super super feliz! :)
Este livro é um romance histórico que aborda um acontecimento que foi praticamente esquecido, abafado ou quem sabe negligenciado na História disseminada de Portugal. Percebe-se que a autora investiu numa profunda investigação histórica para desenterrar e desenlear este acontecimento das teias do tempo.
1793. Marrocos estava em guerra, com os filhos do imperador em luta pelo poder. A família real e as concubinas (são tão importantes quanto a mulher do imperador...) foram colocadas num navio e contrariamente ao planeado, desviam-se da rota. Após sobreviver a um naufrágio chegam a território português. Neste, são recebidos com o maior dos cuidados e preceitos porque o país tem interesse estratégico em manter a amizade e boas relações com Marrocos. O que não se esperava era a dificuldade em concretizar essa ajuda. A diferença de culturas, o melindre diplomático, e o facto de não se falar a mesma língua, tornou este episódio numa autêntica epopeia! Com muito suspense, reflexão, e arrepios à mistura... gostei bastante deste livro. Fez-me recuar no tempo. E nos modos de abordar as coisas...
Conclui que... no fundo... o que define um homem não é a sua cultura, é sempre a sua índole, qualquer que seja o país onde tenha nascido e qualquer que seja a circunstância em que se encontre...
Frases, palavras ou ideias de que gostei particularmente ou que simplesmente me fizeram pensar e reflectir:
"Não naufragar, naufragando."
"Escrevo para obrigar a minha memória a conviver comigo."
"Quando não falamos a língua materna, deixamos de ser tão emocionais para sermos mais práticos e eficazes, mas perdemos a emoção."
"Se os tradutores fossem os reis da Europa, existiriam menos guerras e mais pão."
"... num desses dias que começa torto e já nunca se endireita."
"... para a direcção contrária, que tantas vezes é a mais criativa do destino."
"Cultura é abertura... Não investir na ciência e na arte é o melhor caminho para tudo ficar como está."
"Encontrava ânimo ao deixar-me acalmar pelas recordações saudosas..."
"... aquele barco é um desfile de problemas. Os que se veêm e os que estão por trás dos véus e sombras."
"Frei João atingira a época da vida em que toda a fuga à rotina é agonia e tudo o que é novo, uma severa moléstia."
"Há assuntos que não se perguntam, que, mesmo tendo estado vivos, foram sempre mortos."
"Naquele dia acordara contra o mundo e nada pode chatear mais um indivíduo do que os seus pensamentos."
"Como se a vida lhe quisesse demonstrar que ter tudo é também o risco de tudo perder..."
"... a atitude que se espera dos monarcas grandiloquentes..."
"intróito" (princípio, entrada)
"... e longe de si deixar-se cair na vil soberba, esse apetite de ser preferido aos outros, sempre disfarçado de vanglória, propulsor de brigas, de discórdia, com sede de prosápia."
"... a poeira fulva e irreal da memória em nada tinha atenuado a dor que o assombro crava no espírito."
"Num estranho pacto, um crime perfeito, não se percebendo autoria nem culpa."
"Acolhera os ensinamentos religiosos de livre vontade, mas sem traquejo para os ter presente nas horas críticas. Tudo era uma aprendizagem."
"... cada cultura tem as suas leis... São fiéis aos costumes, não são como certas coisas que me chocam aqui, como aquele livro de Verney, que advoga que as mulheres deviam estudar, imagine-se, e depois sobra-khes tempo para quê senão o ser instruídas. Os filhos, o marido, a casa, tudo passaria para segundo plano? Como se a mulher tivesse nascido para se realizar com outra coisa."
"Não encontro nenhum texto na lei, na sagrada e na profana, que obrigue as mulheres a serem tolas."
"«a sapiência na mulher quer-se como o sal nos temperos, nem muito, nem pouco, regradinho»"
"... pela candura da manhã, tão total na esperança como no peso da responsabilidade de todo um dia ainda por viver. Lisboa queria ser feliz e não conseguia, algo lhe travava a alegria. Uma reverberação das entranhas da terra, das profundidades do Tejo, um temor que se instalara na cidade desde o terramoto e a aprosionava na iminência da desgraça, adiada mas nunca desvanecida.
Quantos anos seriam precisos para erradicar aquela sensação de vulnerabilidade?"
"... quanto mais proibido o fruto, mais vinha ao de cima a humanidade do homem..."
"... a carruagem partiu a toda a brida..."
"A amizade, se mantém muitos segredos, não é amizade."
"... as rodas dentadas da engrenagem por esta altura tinham atingido a velocidade imparável do destino já escrito."
"... a vida é dada a voltas de cento e oitenta graus..."
"... com a atenuante de não ser visto, mas com a agravante de não ser convidado."
"Inundava-o a sensação de estar numa antiga praça marroquina, só, silenciado, por ninguém mais ali haver, perante as cabeças dos condenados ao patíbulo expostas, quando eram pregadas às grandes portas da cidade."
"O burburinho instalou-se, o burburinho provindo do escândalo, o som da quebra de regras que faz o mundo avançar de era em era."
"É uma roda a rolar monte abaixo, nunca tem fim este apresentarse de respeitos."
"Há homens que compreendem os valor das mulheres."
"Meu irmão, o tédio ou o aborrecimento dos exercícios de piedade são uma forma de preguiça. O ódio, a ira, são um pecado ainda maior. Pergunte-se a si mesmo se se deixou vencer pela tibieza na observância dos mandamentos ou dos seus deveres. Fui inconstante nas boas obras, ou as não acabei, podendo? Desconfiei das tentações? Tive rancor ou ódio contra pessoas boas, porque a sua virtude era para mim uma exprobração? Perdi o tempo? Empreguei-o em distracções, conversacões inúteis, jogos, etc?"
"Toda uma série de filosofias iluministas chocavam directamente com a Igreja e ele próprio reconhecia na confissão uma certa desmesura na sede de querer penetrar no íntimo do indivíduo. O mundo científico, o religioso e o filosófico colidiam como nunca."
"Somos cúmplices e havemos de ser amigos. - Os seus olhos tinham a mesma verdade do mar e nesse momento, mesmo antes de ele lhe dizer o que lhe diria de seguida, o monge percebeu que estava certo."
"Eu nem sei o que me pergunta. Achei-a bonita. É só isso."
"... o convívio forçado, sempre na vida, desgasta as réstias de sinceridade a custo sobrevivendo nos seres humanos."
"... as palavras entendem-se no que atingem, não no que dizem."
"... viajante capaz de compreender o grande perigo da solidão."
"... a vulnerabilidade excitante de quaqluer mulher por, sem querer, ser o centro do mundo."
"... faziam-lhe sobressair o tumulto que existe nessas pessoas sem medo de nada."
"Eles só dão o rosto, mas quem dá o rosto não escreve a história. E quem a escreve não dá o rosto."
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