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Leituras - "Vagabundos de Nós"

de Daniel Sampaio. 2003.


A imagem da Pietà na capa do livro não é por acaso (eu já vi a escultura da Pietà ao vivo e realmente é especial... senti uma carga energética muito forte...). A história é acerca de uma mãe a proteger o seu filho... Uma mãe super-protectora, que deposita no seu filho primogénito as maiores expectativas. Esta mãe é, simultaneamente (e encadeadamente), uma mulher que vive extremamente insatisfeita. Tem um casamento no qual não se sente feliz, frustrada pela falta de amor e paixão conjugal, e encanto na sua vida. É portanto muito mais mãe do que mulher... Acontece que a sua grande pérola... não deixa de ser uma pérola... mas não é como aquela mãe e o resto da família idealizaram. Esse filho, em que a mãe deposita todos os seus pensamentos e amor, é homossexual. E também ele vive em conflito constante consigo próprio. Lutando entre os seus instintos e aquilo que a família e a sociedade em geral lhe exigem que seja. Até que... a verdade não consegue ocultar-se para sempre (como sempre...) e esse facto origina toda uma sucessão de relatos e vivências de ambos os lados. Da mãe, que tanto quer compreender e aceitar e proteger o filho como não consegue compreender e lidar com a sua própria frustração, e do filho, que vive sob angústia crónica, alterando entre ideias sobre suicídio e perdido nos prazeres do que os seus instintos lhe indicam para seguir e fazer.
Ele morre.
No livro, tem-se a perspectiva da mãe e do filho, em separado, sobre os mesmos factos. Há culpas, violência passiva e activa, há ciúmes, possessão, tristeza, frustração, mas também há amor, companheirismo, e um pouco de esperança. De aceitação e da humildade nesse acto libertador.
Acima de tudo, obriga-nos a reflectir sobre o quão bom e quão mau o ser humano pode ser. Faz-nos também reflectir sobre excesso de amor e de zelo, que não são saudáveis quando surgem na sequência de um redireccionamento de amor frustrado noutros sentidos.

Frases ou palavras que registei deste livro:

"... estarias ao pé de mim pela última vez, poderia beijar-te e dizer adeus, não consegui na altura entender que jamais me vou separar de ti mesmo para além da tua morte..."

"Sentia uma espécie de buraco dentro de mim. Sabes que mais tarde encontrei muitas vezes esse vazio. Foste a única pessoa que sempre o notou. Agradeço-te nunca me teres deixado completamente só."

"Acho que esse é o problema dos pais. Preocupam-se, queimam as pestanas a ler livros de psicologia e não percebem o que está à frente dos olhos."

"... nunca se ama em demasia. O que nos deixa perdidos é a falta de amor."

"... respondi aquilo que sei enfurecer os médicos e os políticos, «se tivesse aqui um filho não dizia isso»..."

"Era, sobretudo, uma pessoa inesperada."

"... o papá disse um dia que um homossexual de sucesso era uma coisa perigosa, porque podia fazer com que outros resolvessem imitá-lo."

"Um pai é alguém que nos guia. Um adulto que nos orienta quando nos sentimos perdidos. Uma pessoa (não vais gostar muito disto) que nos ajuda a sair do colo da mãe."

"Vou confessar-te uma coisa: a violência do pai foi tão grande que o meu único consolo foi ter feito nascer em mim um ódio forte, capaz de neutralizar o medo com que fiquei. Quando estava no chão ec o pai me pontapeava, a raiva enchia o meu peito, sentia que poderia aguentar tudo o que ele quisesse descarregar sobre mim."

"... escondida nas linhas da redacção sobre o pai... está a violência do seu silêncio... E sempre a minha cobardia"

"... é mais fácil ser homossexual no meio artístico?"

"É na morte que tudo termina e recomeça."

"As pessoas não precisam exigir respeito, Merecem-no."

"Pergunto-me agora em que instante a tua vida deixou de existir dentro de mim, em que momento o medo voltou e me perdi de novo."

"... andava a fingir para fugir ao meu problema..."

"Às vezes corria ao encontro dessas sombras, na confusão do silêncio à tua volta tentava reencontrar-te."

"... Carl Whitaker e a sua «síndrome de David e Golias», em que a mulher, de modo inconsciente, alimenta no filho o ódio pelo pai, como modo de se vingar de uma relação de permanente insatisfação conjugal. O pequeno David cresce, um dia vencerá Golias e ficará para sempre com a sua mãe."

"A psiquiatria tradicional perturbava a minha atenção... «The hindrance of theory in clinical work»..."

"... o terror de ser quem sou e a vontade de me aceitar confundem-se, sinto-me enlouquecer."

"Viver é violento."

"... ali ficaria para sempre... unidos pela memória do que construímos. Vagabundos da nossa condição."

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