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Iniciação

Um dos meus poemas preferidos de Fernando Pessoa é o poema Iniciação. Já há muito anos que o li pela primeira vez e na altura tirei cópia à página do livro em que o encontrei. Entretanto o tempo foi passando, os papéis foram-se acumulando e esta folha ficou mais ou menos esquecida. Bastou uma arrumação da arrecadação para sacudir o pó das coisas e simultaneamente recordar outras tantas. Peguei num caderno para limpá-lo e eis que esta folha caiu aos meus pés. Sorri. Senti nostalgia. E pensei... "pois é... é aquele poema...o tal. Aquelas palavras em que sempre penso em determinadas ocasiões." Voltei a experimentar a sensação de quando o li pela primeira vez e do quanto me fez pensar e reflectir sobre a vida e a morte. Sobre a alma e o espírito. Sobre o corpo e sobre a efemeridade e fragilidade da vida tal como a pensamos conhecer. É sem dúvida um texto filosófico, esotérico, místico, mágico, e dado a imensas interpretações. Adoro a expressão "teu ser profundo". Todo o poema é profundo. Profundamente lindíssimo.

Partilho-o aqui convosco para que cada um encontre a sua própria interpretação...

"Iniciação

Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
....................................................
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa :
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada :
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
....................................................
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.
....................................................
Neófito, não há morte."

E já agora... se quiserem saber algumas curiosidades sobre Fernando Pessoa (por exemplo que ele era astrólogo, que a ele se deve a inclusão do planeta Plutão nas cartas de astrologia, da sua vida modesta e sem o merecido reconhecimento em vida, a criação de 72 (!!!) hetrónimos - ou alter-egos -, os seus interesses místicos e espitituais, entre tantas outras coisas leiam aqui. Encontrei por acaso (nada é por acaso!!) e achei interessantíssimo.)

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