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Leituras - "Equador"

de Miguel Sousa Tavares. 2003.


Acho que, até à data, este deve ter sido o livro que li (ou absorvi...) mais rapidamente. Desde a primeira página até à última página prendeu-me e dele não me consigui libertar até terminar. Por variadas, e talvez algumas até inconscientes, razões. Porque estive recentemente no país sobre o qual a história recai - São Tomé e Príncipe. Porque consegui ligar cada detalhe descritivo aos sítios concretos por onde também passei. Porque percebi e senti a história. E por tudo o resto de um conjunto de pontas soltas e aparentes coincidências que aqui se ligaram. Mais não será preciso dizer para concluir que gostei bastante.

"Quando, em Dezembro de 1905, Luís Bernardo é chamado por El-Rei D.Carlos a Vila Viçosa, não imaginava o que o futuro lhe reservava. Não sabia que teria de trocar a sua vida despreocupada na sociedade cosmopolita de Lisboa por uma missão tão patriótica quanto arriscada na distante ilha de S. Tomé. Não esperava que o cargo de governador e a defesa da dignidade dos trabalhadores das roças o lançassem numa rede de conflitos de interesses com a metrópole. E não contava que a descoberta do amor lhe viesse a mudar a vida." (sinopse daqui)


(algumas das muitas...) Frases do livro que registei com particular interesse:

 "...na leitura sonolenta do Mundo, o seu jornal de todos os dias..."
 
"Era um homem livre: sem casamento, sem partido, sem dívidas nem créditos, sem fortuna nem apertos, sem o gosto da futilidade nem a tentação do desmedido."

"- Nunca mais a vejo?
- A mim? Não sei. Quem sabe? Os que não morrem encontram-se, não é verdade?
«Desisto», pensou ele para consigo. «Esta mulher é um bloco de gelo. Esta conversa é absurda, esta empreitada é uma loucura e só pode acabar no ridículo».

- Não, não basta estar vivo. Depende de como se está vivo. Não se encontra só o que se encontra, mas também o que se procura. Nós não somos folhas levadas pelo vento, não somos animais à deriva. Somos seres humanos, com uma vontade própria."

"Em circunstâncias normais, poderia passar-se mais de um ano sem se encontrarem, por acidente: não se encontra o que não se procura."

..."sem demonstrar pretender cobrar qualquer vassalagem intelectual, que não a do respeito natural que a sua pessoa parecia impor à roda"...

..."não estou convencido de que a redução da dimensão dos problemas acrescente a grandeza das nações"

..."a solução dos problemas da nação não passava pela forma constitucional do regime: com Monarquia ou com República, o povo continuaria ignorante e miserável, as eleições seriam sempre resolvidas pelos caciques de província, que tinham a faculdade de poder fazer eleger a maioria dos deputados das Cortes, o aparelho de Estado continuaria a ser provido pelos conhecimentos pessoais ou fidelidades políticas e jamais pelo mérito individual, e o país - com inúteis condes e marqueses ou com inflamados demagogos republicanos - continuaria infalivelmente preso de ideias retrógradas e de forças conservadoras para quem a modernidade era o mesmo que o próprio Diabo. O que não havia em Portugal era uma tradição de cidadania, um desejo de liberdade, um gosto de pensar e agir pela própria cabeça: o desgraçado do trabalhador do campo dizia e fazia o que o patrão lhe mandava, este repetia o que o cacique local lhe transmitia e este, por sua vez, prestava contas e vassalagem aos próceres do partido em Lisboa. Podia mexer-se no cume da pirâmide, que tudo o resto, até à base, permaneceria inamovível. A doença era bem mais profunda do que maleita a que um simples golpe de Estado constitucional pudesse atalhar."

"Sentia-se a planar, meio ausente."

"Costumava dizer que, na vida, ou se faz alguma coisa de verdadeiramente importante ou é melhor não fazer nada. Viver ao sabor da corrente, como ele fazia, saboreando as coisas boas e agradáveis e evitando com destreza os alçapões, as prisões, os compromissos. Odiava a fé e os fanatismos, na religião como na política, na vida social como no trabalho. Nada lhe parecera ainda verdadeiramente importante para o incomodar seriamente, para trocar o conforto dos seus dias pelo desconforto de uma ambição. Muitos intelectuais do seu tempo pensavam como ele mas pareciam sofrer esse vazio de causas e de ambições como um mal: ele via-o como um privilégio."

..."o cheiro abafante a clorofila que vinha de terra"...

"Sentia uma indolência absoluta, um desejo de se deixar ir na corrente, de ser comandado, em vez de comandar."

..."sentiu o golpe no peito e desviou o olhar, caçador caçado"...

..."corpo de deusa grega, pintado de negro"...

"Luís Bernardo aspirou o perfume ainda nocturno e suave a baunilha e o perfume nascente da «rosa louca», essa flor inconstante do Equador, que de manhã é branca, a meio do dia é cor-de-rosa e ao fim do dia é vermelha, da cor do Sol afogando-se no mar."

..."quando assistira ao Nabuco, de Verdi. Era o «Va, pensiere», o cântico dos escravos hebreus.

..."passar-lhe a mão pela pele de cetim negro e dizer-lhe ao ouvido, como quem manda mas também como quem pretende, «queres ser a minha lavadeira?», conforme o costume estabelecido nas ilhas entre os homens brancos e as gazelas negras"...

"geria os vícios com luxo e as necessidades com elegância"

..."a beleza esmaga a realeza"...

"Declaro que, com efeito, haverá sempre infelizes, mas que é possível deixar de haver miseráveis". - Victor Hugo

"...escutava o som das águas correntes do Bramaputhra, essas águas sagradas que, nos seus devaneios metafísicos, acreditava também que protegiam o seu casamento e a eternidade de instantes pacíficos e mágicos como aquele.."

..."um olhar suave, de olhos de um verde-azulado, que olhavam a direito nos olhos dos seus interlocutores, como se neles coubesse toda a inocência ou toda a audácia do mundo"...

"Quando se finge não perceber, não adianta tentar explicar"

 "A seus olhos, via, de repente, um homem de sociedade, que se tinha tornado num solitário; um homem tolerante e que adorava a controvérsia, que se tinha tornado estranhamente intransigente; um homem tão desprendido e mesmo fútil em tantas coisas, que agora quase se dava ares messiânicos, como se o mundo inteiro tivesse os olhos postos na sua obscura tarefa, ali, nos confins do mar, naquele arremedo de terra e de civilização. Estaria tomado pela importância que atribuía à sua própria missão, sob pena de se sentir ali totalmente inútil, desperdiçando um precioso tempo que poderia gastar algures, a viver? Estaria transtornado pela solidão, pelo silêncio das noites e noites consecutivas a falar e a ouvir-se falar sozinho? Estaria perdido, teria perdido o sentido da proporção das coisas?"

"As ilhas são lugares de solidão e nunca isso é tão nítido como quando partem os que apenas vieram de passagem e ficam no cais, a despedir-se, os que vão permanecer. Na hora da despedida, é quase sempre mais triste ficar do que partir e, numa ilha, isso marca uma diferença fundamental, como se houvesse duas espécies de seres humanos: os que vivem na ilha e os que chegam e partem."

"As mulheres dos amigos podem fazer o que quiserem, os amigos dos maridos, não."

«De mal com os homens por amor d'El-Rei, de mal com El-Rei por amor dos homens.»

"Combatividade"

..."o deixar o quarto onde jogara cartas com o destino"...

..."com uma calma e uma lucidez próprias de quem tinha acabado de entender a diferença entre o essencial e o acessório"...

"Às vezes, quando se é amigo, é melhor fingir que não se vê aquilo que não deve ser visto, por mais que isso nos custe. Em nome da amizade ou em nome de outras coisas mais difíceis de explicar. Mas cabe aos outros entender que estamos apenas a fingir que não vemos."

"Ali, onde todos os instintos eram vorazes, onde o desejo crescia como as simples plantas que se transformavam em árvores de um dia para o outro, onde os negros se passeavam quase tão nus como os animais, onde o calor, a lassidão e a lonjura, diluíam aos poucos o que noutro lugar estaria seguro por regra e convenções acatadas sem esforço? Ali, onde cada mulher acabava por se tornar apetecível para um homem só, e onde a simples presença e a figura de Ann se tornava uma tortura aos olhos de qualquer homem? Sim, claro, entre o desejo e a consumação vai uma distância - que é moral, antes de ser convencional."

"O ciúme é irracional: alimenta-se do seu próprio sofrimento e é como se só conseguisse saciar-se e acalmar-se quando tudo o que de pior imaginou se torna real e nítido e visível. O ciúme é uma dúvida doentia que cresce como um cancro e a que só a certeza de já não haver lugar para dúvidas pode trazer, pelo menos, o bálsamo de pôr fim a essa angústia, a esse enxovalho de viver permanentemente à procura dos sinais da traição. Quanto mais chocante for a evidência, quanto mais real for o real da traição, mais o ciúme se sente recompensado, redimido, quase digno de respeito."

"Mulher bonita demais anuncia desgraça em terra"

..."o destino de certos homens é o de nunca amarem quem deviam amar"...

 "A 8 de Fevereiro de 1908, o Rei D. Carlos e o Príncipe Real D. Luís Filipe, tendo acabado de regressar de Vila Viçosa, percorriam o Terreiro do Paço num landau aberto, quando foram emboscados e mortos a tiro por dois assassinos identificados - parte de uma conspiração mais vasta, a qual, por razões de conveniência política, nunca foi trazida à luz."

"Enfim, uma carta de um homem que morreu depois de a escrever, para outro que morreu antes de a ler."

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