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Leituras - "Não te deixarei morrer, David Crockett"

de Miguel Sousa Tavares. 2001.


Gosto da forma como Miguel Sousa Tavares escreve. Gosto das referências históricas habilmente introduzidas em textos sobre assuntos tanto quotidianos e banais como profundos e poeticamente filosóficos. Gosto que, assim do nada, me recorde o nome de algumas constelações, que apresente a poesia como forma de estar na vida, gosto também de fazer ligações entre as suas histórias e as realidades que todos conhecemos directa ou indirectamente, gosto ainda de ler o meu nome por mero acaso, e gosto, finalmente, de começar a ler e esquecer o tempo, viajando por aí.
Este livro é constituído por crónicas/textos que o autor foi publicando numa revista nacional e outros textos inéditos. 

Frases ou ideias de que gostei particularmente:

"David Crockett representa “uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre.”

"Foi um processo longo e difícil, como sempre o são as aproximações entre duas pessoas habituadas a estarem sozinhas. Primeiro parece fácil, é o coração que arrasta a cabeça, a vontade de ser feliz que cala as dúvidas e os medos. Mas depois é a cabeça que trava o coração, as pequenas coisas que parecem derrotar as grandes, um sufoco inexplicável que parece instalar-se onde dantes estava a intimidade. É preciso saber passar tudo isso e conseguir chegar mais além, onde a cumplicidade - de tudo, o mais difícil de atingir - os torna verdadeiramente amantes."

"quase todas as fotografias dos últimos dez anos das suas vidas e algumas outras coisas cujo verdadeiro valor era o vazio que encontrava se olhasse para o lugar onde elas costumavam estar."

"Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido.
...
E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

"... aquela linguagem de subentendidos e sorrisos que os casais usam entre si..."

"Os Impérios, costumava ele dizer, conquistam-se pelas armas e mantêm-se pelas leis..."

"Porque nada é mais íntimo e mais indestrutível do que o silêncio partilhado." "Podemos desdizer hoje o que dissemos ontem, podemos gritar hoje, por ódio, o que ontem segredávamos por amor. Mas o silêncio fica porque nunca mente, porque é tão íntimo que não pode ser representado, é tão envolvente que não pode ser rasgado."

"...nunca devemos amar em silêncio, nada é mais perigoso do que dividir com outrem os pensamentos vividos em silêncio. Um amor feliz precisa do turbilhão das palavras, das frases aparentemente inúteis e sem sentido, precisa de adjectivos, de elogios, do ruído das banalidades. Não há felicidade que não seja tantas vezes fútil, tantas vezes inútil."

"E ela dança" -  a minha cara!

"ensinou-me que só o olhar não mente e que todo o real é verdadeiro. Quem ler com atenção, verá que esta é a moral que atravessa toda a sua escrita."

..."nesse prazer prolongado de habitar entre duas fronteiras, a do sono e a da vida."

"Foi um processo longo e difícil, como sempre o são as aproximações entre duas pessoas habituadas a estarem sozinhas. Primeiro parece fácil, é o coração que arrasta a cabeça, a vontade de ser feliz que cala as dúvidas e os medos. Mas depois é a cabeça que trava o coração, as pequenas coisas que parecem derrotar as grandes, um sufoco inexplicável que parece instalar-se onde dantes estava a intimidade. É preciso saber passar tudo isso e conseguir chegar mais além, onde a cumplicidade - de tudo, o mais difícil de atingir - os torna verdadeiramente amantes."

"Gosto de espreitar o teu sono... à noite, quando dormes alheio a tudo, e eu fico a ouvir a tua respiração e a alisar os teus cabelos. Às vezes, chego a pensar que é um desperdício ir dormir, em lugar de ficar a ver-te dormir..."

"De seis em seis mil anos, eu preciso que o cometa volte e fique parado lá em cima a olhar-me. Preciso que me reduza a esta condição inicial, de homem com coração de criança que fica uma noite a olhar para o céu, como se entendesse. De seis em seis mil anos, preciso que o seu brilho me lembre que sou apenas um ínfimo grão de areia na imensa poeira do Universo."

"Eu deixei de ter Verões na praia e passei a ter «férias»..."

"Mas, afinal, o que se leva da vida, senão remorsos? Remorsos do que podia ter sido e não foi e do que se perdeu depois de ter sido. Remorsos do que devia ter sido dito e feito e não o foi a tempo ou do que foi demasiadamente dito e feito."

"... mil vezes as fraquezas humanas do que a arrogância por mandato divino."

"Enfim, acreditam nessa verdade, mais perigosa do que todas as outras, que é a possibilidade de um mundo perfeito."

"São herdeiros da civilização judaico-cristã e, sem o saber, abominam tudo o que representa a herança do mundo greco-romano e árabe que fez do Mediterrâneo uma civilização única e inimitável."

Eugênio de Andrade:
«Os navios existem
e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios
sem nenhum destino
flutuam nas cidades
partem no vento
regressam nos rios.»
«Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo onde tudo nos separa e divide...».

"Reconheço que as viagens são propícias ao amor, mas também a distância o é: nunca viajei sozinho que não quisesse regressar."

"...perguntam-me frequentemente o que é que eu lá procuro e o que é que encontro. E a esta pergunta, tão simples e tão vasta, costumo dar uma das minhas respostas preferidas: não procuro nada e não se encontra o que se procura, mas o que se encontra."

«C'était une histoire d'amour...»  Hélène de Beauvoir

"...mulheres de olhos oblíquos e corpo tenso, e outras sombras e sinais de um indecifrável silêncio."

"... essa é uma das funções da família: que cada geração imortalize as anteriores."

"A memória é a nossa escola da vida. É a nossa única verdadeira defesa contra a traição e o abandono. Tudo pode ser traído e abandonado, menos a memória. É mais fiel que qualquer amigo, é mais longa que a própria vida, é mais verdadeira do que  qualquer verdade que temos como certa."

«Há duas doenças em Portugal - a dos que comem muito e a dos que comem pouco»

«isto de se ser advogado e poeta é uma incompatibilidade absoluta. Para se ser advogado é preciso ter-se uma inteligência estúpida e o que eu tenho é uma estupidez inteligente».

"Quando morriam os que tinham amado aquela casa era como se se fundissem nela, sombras que o longo corredor guarda, indícios certos da continuidade das coisas, da lei da vida."

"É um livro sumptuoso, verdadeiro hino à África que foi desaparecendo e uma obra perturbadora, como todas as que falam dessa paixão violenta entre alguns homens brancos e a África negra."

"... a profundidade de campo - a perspectiva..."

"Seja como for, aquilo que é verdadeiramente marcante - e que justifica a selecção da descoberta da perspectiva como um dos factos do milénio - é que esta invenção não corresponde a uma simples representação do campo visual, mas a uma verdadeira atitude filosófica perante a vida. Ou seja: a perspectiva não é apenas um modo de representação do real, mas uma abordagem em perspectiva do real. E isto é extrapolável para todos os domínios do conhecimento e da sua representação - a arquitectura, a antropologia, a economia - e para todas as abordagens filosóficas perante a vida."
"É isto a perspectiva - a ideia de sobreposição, de continuidade, de harmonia."

"... isso inaugurou o que chamamos a perspectiva - o infinito e o relativo, simultaneamente."

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