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Leituras - "As Ondas"

de Virginia Woolf. 1931.

Começar e continuar a ler este livro foi uma autêntica prova de resiliência e de inconformismo, insubmissão, e de não resignação para mim. As Ondas - é considerado o "melhor e mais radical" romance desta conhecida escritora inglesa. Pesquisei melhor sobre a autora e percebi que se tratava de uma personalidade depressiva, contundente, e que... se suicidou aos 59 anos. Percebi que ia ser uma leitura densa e intensa... Acho que já referi isto aqui no blog, que quando leio, não leio apenas o que está escrito. Muito frequentemente consigo sentir a pessoa que escreveu, o seu estado de espírito, as decisões que toma na escrita, e portanto a sua personalidade e ser. E aqui não foi diferente. De repente todos os parágrafos me pareciam sem encadeamento, aleatórios, mas em espiral, e a repentina descrição de cores, cheiros e sensações da natureza introduzidos no meio de trechos que em (aparentemente) nada tinham a ver com a natureza em si, deixaram-me confusa. Não estava a entender. Estava a ler e a perceber as palavras mas não estava a (querer) compreendê-las. Mas algo me dizia que mais à frente, no tempo, iria perceber toda essa dúvida inicial. Insisti. Continuei portanto a ler... e acabei por gostar muito, entendendo o paralelismo da natureza com as coisas da vida mundana e com o fluir dos nossos pensamentos mais profundos, e percebendo a beleza inerente a esse tipo de raciocínio. E em como a vida (nascimento, crescimento e morte) se pode descrever tal como o nascer e pôr-do-sol ou como as ondas do mar.

A leitura deste livro, para mim, funcionou como uma porta recreativa que de vez em quando conseguia abrir para um plano subconsciente ou menos consciente. Consegui entrar nesse plano algumas vezes depois de começar a ler. Aquela sub-camada que todos sentimos pulsar mas que frequentemente filtramos ou calamos. O tipo de pensamentos e reflexões e questões que qualquer ser humano pensante e curioso se coloca. Umas mais estúpidas e menos relevantes que outras, como em tudo na vida. Nunca nada é sempre grandioso e contínuo. Não o é a felicidade... mas também não é a tristeza. A nossa vida é feita da junção de momentos avulsos. Embora exista em ritmo imparável e contínuo que rege a vida e a própria morte, que rege as marés, as luas, e o próprio andamento do tempo e do universo... a forma como nós percebemos a vida é como se por ela passássemos a piscar os olhos. Depois dela passar raramente nos conseguimos lembrar ou articular todos os momentos de forma una. A vida surge-nos como vislumbres mais ou menos iluminados (ou escurecidos) de coisas que nos acontecem, que fazemos ou por que passámos e a forma como a nossa mente e espírito registaram esses "flashs".

Registei as seguintes frases/reflexões:

"Mas, quando nos sentamos juntos, fundimo-nos um no outro com frases. Ficamos unidos por uma espécie de nevoeiro. Transformamo-nos num território imaterial."

"... tropeço... Trata-se apenas do começo."

"Odeio os espelhos que mostram o meu verdadeiro rosto. Quando estou só, é com frequência que me deixo cair no vazio. Tenho de ter cuidado... não vá tropeçar na orla do mundo..."

"... desceu sobre mim o sentido obscuro e mítico da adoração, do uno que triunfa sobre o caos."

"... não sou um ser uno e simples, mas antes complexo e múltiplo."

"... concluo que para ser eu mesmo necessito da luz dos olhos de terceiros, e por isso não posso estar completamente seguro daquilo que sou."

"É tão estranho abrir caminho ao longo de multidões que vêem a vida através de olhos vazios..."

"A beleza precisa ser diariamente estilhaçada para permanecer bela"

"Estar-nos-á reservado qualquer tipo de construção, política, empreendimento, quadro, poema, filho, fábrica. A vida vem; a vida vai; somos nós quem a faz."

"Constitui um enorme alívio ter alguém a quem fazer sinais e não pronunciar qualquer palavra. Seguir os carreiros escuros da mente e entrar no passado, visitar livros, empurrar ramos e arrancar alguns frutos."

"... o tempo que, mais não é do que um pasto soalheiro coberto por uma luz trémula..."

"... a verdade é que não pertenço ao género dos que se satisfazem com uma pessoa ou com o infinito."

"... à medida que caminho os pontos e os traços vão-se transformando em linhas contínuas, no modo como as coisas vão perdendo a identidade separada..."

"O meu maior desejo sempre foi o de aumentar a noite para a conseguir encher de sonhos."

"Semelhante à peça de um puzzle, pertenço a um determinado lugar."

"Neste silêncio, parece que nenhuma folha vai cair, nem nenhuma ave levantar voo.  
Tal como se o milagre tivesse acontecido, e a vida se condensasse aqui e agora.
E, já não mais houvesse para viver.
Mas, escutem como o mundo se move nos abismos do espaço infinito. Oiçam-no rugir; a faixa iluminada da história deixou de existir, e com ela os nossos reis e rainhas; deixámos de ser; a nossa civilização; o Nilo; a vida. Dissolveram-se as gotas que nos conferiam individualidade; extinguimo-nos; estamos perdidos no abismo do tempo, na escuridão."

"... o quadrado em cima do rectângulo..."

"Permanecia isolado, enigmático; um erudito capaz daquela minuciosidade inspirada que tem em si qualquer coisa de formidável."

"Músculos, nervos, intestinos, vasos sanguíneos, tudo o que constituía o revestimento e a mola do nosso ser, o zumbido inconsciente do motor, bem assim como o dardo e o chicote da língua, tudo isto funcionava de forma soberba. Abrindo, fechando; fechando, abrindo; comendo, bebendo; por vezes falando - todo o mecanismo parecia expandir-se e contrair-se, semelhante à mola principal de um relógio."

"Enfiando o chapéu na cabeça, saía para um mundo habitado por multidões de homens e mulheres que também haviam enfiado os chapéus nas cabeças, e, sempre que nos encontrávamos nos comboios e metropolitanos, trocávamos o olhar característico de adversários e camaradas que têm de enfrentar toda a espécie de dificuldades para atingir o mesmo objectivo - ganhar a vida."

"Vi a primeira manhã que ele nunca veria... (morte de Percival). Estava agora coberto de lírios... Algo que confirmasse a nossa determinação de não deixar crescer os lírios..."

"O único objectivo que nos mantém vivos é o esforço da luta, o estado de guerra permanente, o destroçar e voltar a unir - a batalha quotidiana, a derrota ou a vitória."

"A vida é agradável, a vida é boa. A terça sucede-se à segunda e depois daquela vem a quarta."

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