de Naguib Mahfouz. 1981.
Naguib Mahfouz é o único escritor árabe galardoado com o Prémio Nobel da Literatura (em 1988). Confesso que comecei a lei este livro por engano. Achei que finalmente (mas ainda não foi desta!) ia ler os famosos contos da Xerazade ao seu sultão Shariar, mas este livro começa precisamente no dia seguinte à última história contada. A verdade é que essas histórias tiveram um efeito directo no coração do sultão, que passou de um homem frio e sangrento, a um homem carregado de sensibilidade e contemplação, vergado pelo arrependimento, em busca de um sentido da vida e da verdade das coisas.
A história passa-se numa cidade medieval islâmica. Os acontecimentos, as relações entre as pessoas e o desenrolar do dia-a-dia são controlados pelas hierarquias, pelo medo e pela coragem, pela luta interna entre o que se é e o que se deve ser, e claro... acima de tudo pela religião.
Fica-se com uma ideia bastante clara de como decorria a vida numa sociedade deste tipo. Os valores que regem as pessoas, a forma como lidam entre si e o que parecem procurar na vida. Talvez ainda hoje seja exactamente assim que a vida decorre em territórios muçulmanos.
Percebe-se no crente/não crente uma luta interna muito grande. Como se aquilo a que se agarra como salvação fosse aquilo que simultaneamente o oprime e reprime. Muitas vezes levando-o exactamente ao extremo oposto daquele que almeja.
Põe a nu as fragilidades humanas. O quão mau e quão bom um mesmo homem pode ser. Os medos, as inseguranças, a falta de fé, a ambição desmedida, a inveja, a opulência, a cobiça, a corrupção, a ganância, o despotismo, a injustiça, a violência, a perturbação e a confusão mental e espiritual, a falta de perseverança... E no meio disso tudo tenta encontrar-se um caminho... através de Deus, que dê sentido a todas as alegrias e a todas as aparentes tristezas.
“… pelo facto
de um homem poder morrer sem deixar de viver ou poder viver estando morto.”
“… o mundo da
piedade aparente e corrupção latente.”
“Conheci três
tipos de discípulos. As pessoas que aprendem os princípios e se esforçam no
mundo, as pessoas que aprofundam o conhecimento e dominam as coisas, e gente
que persevera no caminho recto até à estação espiritual do amor...”
“… em breve as
exigências da vida se impuseram aos acontecimentos da História…”
“O caminho de
Deus era claro e não devia misturar-se com sentimentos de ódio ou de orgulho,
porque a base da estrutura se desmoronaria.”
«O melhor
favor é o que se faz o mais depressa possível.»
“Gostava da
comida e da bebida da mesma forma que gostava da mulher, e com a passagem do
tempo já gostava mais da comida e da bebida.”
“… debatia-se
na cela da sua permanente aflição.”
“O medo é o
tributo dos culpados, não dos inocentes.”
“… como um
adolescente… ficou absorto em sonhos de raparigas virgens.”
“Não era Deus
capaz de tudo?”
“… alaúde…”
“A
oportunidade era única, nunca mais voltaria a acontecer, e tudo acontece como
Deus quer.”
“Todos saímos
da costela de Adão…”
“… Expiaria os
seus pecados através da peregrinação, da esmola e do arrependimento.”
“ Refugio-me
em Deus da violência da beleza quando ela domina.”
“Nada destrói
mais um homem do que ele próprio… E ninguém o pode salvar senão ele a si
próprio.”
“A depravação
é um pecado secreto, que se comete enquanto nos ocupamos a perseguir os xiitas
e os carijitas.”
“…foi julgado
e decapitado…”
“Era uma
tentação só para os sãos, não para os loucos.”
“Vejo-os com
os corações cheios de vergonha depois de terem experimentado a debilidade
humana.”
“… oração da
manhã… oração da tarde… oração da noite”
“Verdadeiramente
somos de Deus e a Ele voltamos.”
“O dever antes
da compaixão…”
“Estás em mãos
seguras, podes sorrir.”
Sultão, vizir,
xeque, mestre, governador, secretário particular, chefe da polícia.
A lei
islâmica. Os muçulmanos.
Sufismo.
«A corrupção
dos homens doutos realiza-se através da negligência, a corrupção dos príncipes
através da injustiça e a dos sufis através da hipocrisia.»
“Gostaria de
te ver como um dos soldados de Deus, não como um dos seus dervixes… A lógica da
fé é perdurável e eterna. O Caminho a princípio é um, depois divide-se
inevitavelmente em dois. Um deles leva ao amor e à submissão do eu e o outro à
guerra santa. Os primeiros dedicam-se a si mesmos, em compensação os da guerra
santa consagram-se ao serviço de Deus.”
“… esperava
sair da sua confusão para a espada da guerra santa ou para o amor divino.”
…” talvez seja
o haxixe…”
“Deus tem a
sua Sabedoria própria na Sua Criação. Quanto a nós, temos a lei islâmica.”
“Não faça o
que lhe ditar a consciência mas também não cometa más acções… Há muitas coisas
que não são boas nem más.”
“… enquanto a
brisa primaveril levava à profundidade do seu ser uma mistura de perfumes de
flores sob um céu brilhante de estrelas.”
“É em Deus que
procuramos ajuda”
“… enquanto há
vida não há razão para o desespero…”
"... não alcançarás o grau de devoto senão quando superares seis obstáculos. O primeiro e fechar a porta da comodidade a abrir a da dureza. O segundo consiste em fechar a porta da fama e abrir a da insignificância. O terceiro, fechar a porta do descanso e abrir a do esforço. O quarto exigir-te-á fechar a porta do sono e abrir a da vigília. O quinto, fechar a porta da riqueza e abrir a da pobreza, e o sexto obstáculo é fechar a porta da esperança e abrir a da preparação para a morte."
«Uma prova do receio da verdade é que não facilita a ninguém um caminho até ela nem priva ninguém da esperança de a alcançar. Deixa as pessoas a cavalgarem pelos desertos da perplexidade e a afogarem-se nos mares da dúvida. Quem acredita que a alcançou é porque se separou dela, e quem acredita que se separou dela foi porque perdeu o seu caminho. Não se pode chegar a ela sem fugir dela, é ineludível.»
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